O grupo “Interpretar e Aprender” surgiu como ideia nos corredores da Universidade de São Paulo por três estudantes de História interessados em integrar diversão e aprendizagem. Apaixonados tanto por narrativas fantásticas quanto pelo ato de ensinar, estes amigos decidiram criar um grupo cujo intuito seria trabalhar, de forma prazerosa, os conteúdos escolares - e não haveria melhor maneira de fazê-lo do que utilizando o RPG, ou Role Playing Game.

sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

A aventura de se fazer aventuras... ou como começamos


Jogar RPG é como ler um livro. Mas ao invés de lermos sobre o que fazem as personagens, escolhemos precisamente quais serão suas reações diante dos mais variados cenários. É interessante notarmos como a vida imaginada em um cenário diferente, mesmo que minimamente, de nosso dia-a-dia presenteia os jogadores com uma sensação de liberdade.
Dependendo do narrador essa sensação pode ser potencializada ou minimizada, veja: quando o mestre de mesa tende a narrar em um tom épico - em que os personagens são levados a decidirem por si o destino do próprio universo, mundo ou país - os jogadores normalmente tendem a ser um pouco mais desleixados quanto as consequências de suas ações; conquanto se o narrador for mais rigoroso e a história estiver mais próxima a realidade aplicável - em que mal podemos controlar os nossos destinos diários, que dirá de todo o universo, mundo, país - os jogadores, temerosos por perderem-se em um mundo de infâmia cotidiana acabam por prestar mais atenção nas atitudes que estão assumindo junto de seus personagens.
Os dois estilos de narrativas tem seus benefícios e malefícios. A narrativa épica tende a ser envolvente, porém deixa passar muitos detalhes que poderiam fazer toda a diferença, normalmente ela trabalha por uma prática de criação de um nêmeses e o combate entre forças opostas (bem x mal, paz x guerra, caos x ordem). A narrativa mais realista tende a ser mais preciosa em detalhes, porém ela não consegue expandir-se para muito além do universo em que os personagens já estão envolvidos. Em ambos os casos o limite da história é a imaginação de narrador e jogadores somada.
Em nosso grupo temos os dois tipos de narradores. O Daniel é muito detalhista e realista, enquanto este que vos fala é absolutamente épico em sua narrativa. O Thiago é um meio termo entre esses polos. Sendo muito prático, suas narrativas acabam por explicitar exatamente o que é necessário para que seus personagens sejam heróis sem a necessidade de colocá-los em situações absurdas que confrontam o tom épico com a realidade. Em suma o Thiago cria um universo e aceita que dentro das regras daquele mundo cabem idiossincrasias que nem eu, nem o Daniel somos capazes de conceber.
Quando fomos mestrar nossa primeira aventura no colégio Emilie de Villeneuve, o trio fundador deste grupo se reuniu para pensar em uma aventura que a um só tempo transportasse as crianças do quinto ano para o século XVII e que lá elas pudessem viver e compreender como era a vida durante o período de grande mineração no interior do Brasil. Era necessário que a narrativa fosse divertida, mas cheia de conteúdos práticos sobre a vida naquele período. Nossas mãos não estavam amarradas por quaisquer conteúdos, elas eram livres para desenhar para aqueles jovens alunos o interesse que resolvêssemos dar ao mundo [do século XVII].
Como sempre foi e sempre será, o tirânico Daniel (estão vendo como eu tenho uma verve épica?) tentou impor a realidade massacrante a história que contaríamos. Eu e meu fiel ajudante Robin, digo Thiago... digo grande companheiro Thiago rapidamente levantamos nossas vozes contra a tirania da não imaginação e fomos vitoriosos. Brincadeiras a parte, a experiência de criar pensando em como entrelaçar na imaginação dos alunos as densas relações sociais, políticas e econômicas em uma trama foi um desafio. Tivemos algum trabalho em criar um enredo em que interesse econômico, humano e social fosse inteligível e verossímil. A atitude que assumíamos naquele momento era política e para tanto tivemos de criar regras e diretrizes para que os jogadores participassem sem que perdêssemos muito tempo explicando como funcionaria o jogo.

Não foi uma preocupação expressa que eles separassem a brincadeira do conteúdo, mas combinamos que sempre pontuaríamos, durante a aventura quais eram os conteúdos de sala de aula que estávamos trabalhando ali. E foi muito gratificante trocarmos notas sobre as reações dos alunos e os tratamentos que estávamos dando à história. Em minha memória guardo com carinho cada um dos jogadores e mais tudo o que eles me ensinaram enquanto eu tentava ensinar-lhes algum conteúdo de sua aula de história. Educação é uma via de duas mãos e reunir esse belo ato de trocar com a potência da imaginação de nossos alunos é uma experiência que todo professor deveria passar por em sua carreira.

A aventura continua aqui

quarta-feira, 20 de fevereiro de 2013

Jogando offline

Hoje o Interpretar e Aprender vem dar uma dica sobre jogos de tabuleiro. Na verdade, viemos recomendar o canal do youtube Jogando Offline. O canal produz vídeos-resenha de jogos de tabuleiros tradicionais ao redor do mundo.



Os jogos de tabuleiro existem há muito tempo (aqui vocês encontram alguns dos mais antigos), mas somente após a década de 60 a produção em massa expandiu o mercado ao mundo todo.


O episódio 02 trata do jogo Colonizadores de Catan, ou na versão portuguesa: Descobridores de Catan.
Assistam ao vídeo que será melhor que qualquer explicação escrita. Este episódio é especial para nós do Interpretar e Aprender pois somos fãs de carteirinha do jogo, mantendo até um placar anual (Eu ganhei esse ano!)

Uma versão mais antiga do jogo.



O jogo é um prato cheio para professores de história, geografia e ciências, pois trata de assuntos econômicos (produção, distribuição e consumo de recursos naturais) ainda muito atuais. Joguei com o oitavo ano em 2012 para pensar alguns conceitos de produção e consumo como a diferença entre bens e mercadorias e valor de troca X valor de uso. Para um tratamento mais sustentável do tema, pode-se jogar duas vezes, mas, na segunda vez, os recursos utilizados não estariam disponíveis novamente. Os alunos conseguiriam perceber a importância de se preservar os recursos rapidamente.


domingo, 17 de fevereiro de 2013

O ABC do RPG, por Manuela Blitz

Segue o bom texto de Manuela Blitz, para a Revista Nova Escola para quem quer entender melhor a ideia por trás da utilização do RPG na Educação. Espero que gostem!


Imagine que um professor de História está discutindo a escravidão no Brasil e deseja ressaltar para a turma as dramáticas condições de vida a que os negros trazidos para cá eram submetidos. Na classe ao lado, um docente de Ciências quer falar sobre o processo de fissão atômica, base das bombas nucleares, sem despejar sobre os alunos um monte de equações incompreensíveis. À primeira vista, nada em comum entre as duas situações. Mas a cena nas salas é a mesma: grupos de cinco ou seis alunos lançam dados e recebem instruções de um colega. Resolvendo enigmas relacionados ao conteúdo curricular, eles debatem entre si. Parecem entretidos e interessados na atividade. Estão jogando RPG.

A sigla vem do nome em inglês role playing game - em português, "jogos de interpretação de papéis". Surgidos nos anos 1970, os RPGs funcionam como uma espécie de dramatização: os jogadores são transferidos para um lugar e uma época imaginários e encarnam personagens ficcionais, seguindo um enredo predefinido e contado por um narrador. Enquanto os acontecimentos são descritos, todos precisam imaginar o que está ocorrendo e são instigados a resolver os enigmas. Das respostas e decisões depende o desfecho da história.

Originalmente, os RPGs foram concebidos para ser apenas um passatempo de adolescentes. Mas, no início da década passada, eles começaram a atrair a atenção de educadores. Hoje há núcleos em universidades dedicados a estudar seu potencial no ensino de diversas disciplinas. "O RPG desenvolve nos alunos características como criatividade, socialização, capacidade de argumentação e liderança, já que é preciso tomar decisões para definir o rumo da história. Sem contar que a atividade torna a aula mais agradável", afirma Luiz Ricon, pesquisador da Pontifícia Univesidade Católica (PUC) do Rio de Janeiro e autor de livros sobre o tema (leia no quadro abaixo dicas dos especialistas para planejar um jogo).

Tradução escolar
Para que o RPG esteja a serviço do aprendizado, sua transposição do universo adolescente para a sala de aula não pode ser direta. O fundamental é que a ação esteja ancorada num conteúdo específico que sirva de base para a aventura. A partir daí, os estudantes discutem e fazem pesquisas para descobrir como seus personagens devem agir. Cabe ao professor analisar se as propostas da turma são possíveis - e coerentes - à luz do conteúdo em questão.

Para a aplicação em sala de aula, a organização do jogo também precisa de adaptações. Por exemplo, o costume de usar fantasias para representar cada personagem, a menos que seja importante para a contextualização do conteúdo, é dispensável. Além disso, quem já conhece o RPG usado como entretenimento deve estar se perguntando como fazer os alunos seguir tantas regras. Simplicidade deve ser a palavra de ordem. "O jogo tradicional está para o futebol profissional assim como o educacional está para a 'pelada' de fim de semana. No uso pedagógico, algumas normas devem ser suprimidas para facilitar o entendimento e manter o dinamismo, já que muitos RPGs de entretenimento têm enredos complexos e exigem tempo para ser decifrados", diz Kazuco Kojima Higuchi, mestre em Teoria Literária e Literatura Comparada pela Universidade de São Paulo (USP) e professora da rede pública do estado. Mesmo com regras resumidas, o mais recomendável é utilizar o recurso nos anos finais do Ensino Fundamental ou no Ensino Médio, com turmas cujo repertório possibilite compreender as regras com maior facilidade (veja como realizar a atividade nas turmas do 6º ao 9º ano no quadro acima).

Também é preciso discernimento para saber que conteúdo pode ser abordado com RPGs. A lei de ouro, aqui, é examinar se ele facilita o entendimento do que se pretende tratar. Você se lembra do exemplo da escravidão, citado no início desta reportagem? Se a idéia for fazer o aluno imaginar com realismo os dissabores do trabalho forçado, o RPG pode ser um bom recurso. "É mais interessante explicar a abolição quando o aluno já 'vivenciou' a sensação de ser um quilombola fugitivo. A compreensão do conteúdo é superior", diz Vivien Morgato, professora de Leituras Clássicas da Faculdade Comunitária de Campinas.

Um segundo fator importante para que a brincadeira ajude a ensinar é focar na contextualização do espaço e da época em que se passa a aventura. Vivien experimentou na prática a relevância dessa ação ao aplicar jogos de RPG para os alunos do Ensino Médio do Colégio Sagrado Coração de Jesus, em Campinas, a 98 quilômetros de São Paulo. "Durante um jogo sobre a Roma antiga, uma das meninas da sala que interpretava uma cidadã romana se recusou a cumprir a ordem de um guarda de César. Logo os outros alunos perceberam o erro e advertiram que aquela atitude não estava correta, pois eles haviam lido um texto sobre a submissão imposta às mulheres naquele tempo", relembra. Para aumentar a familiaridade histórica, ela incentiva os alunos a pesquisar e descrever as competências e habilidades de seus personagens na ficha que os identifica, aprofundando a imersão na história (veja um exemplo na imagem abaixo).

Há ainda outros casos em que o RPG pode ajudar. Professor do Ensino Fundamental e Médio da Escola Santa Marina, em São Paulo, Francisco de Assis Nascimento Júnior inventou diversos jogos para apresentar às turmas do 9º ano assuntos áridos, como a teoria da relatividade restrita, de Albert Einstein. "Na introdução à Física moderna, uso o enredo do RPG como metáfora para ensinar conteúdos que ou repeliriam o aluno - como equações sobre o comportamento das partículas em velocidades próximas à da luz - ou seriam impossíveis de demonstrar no laboratório escolar, como uma explosão nuclear, por exemplo", diz ele.

Enredo explosivo
Uma das criações de Francisco que mais fazem sucesso é A Separação Faz a Força, sobre a invenção da bomba atômica. A história gira em torno da guerra entre os reinos Azul e Dourado, interrompida devido a uma doença contagiosa que, até então, nunca havia vitimado muita gente. Convidando a turma a assumir o papel dos pesquisadores da cura, ele orienta a atividade para que, no final, os grupos descubram uma analogia entre o princípio de infecção da doença e o da divisão de um átomo, que expele partículas com energia suficiente para partir outros átomos - é a fissão nuclear, reação-base da bomba. "De cada dez grupos em que aplico esse RPG, oito conseguem chegar à conclusão. É um momento mágico para eles perceber que entenderam todo o processo sozinhos", entusiasma-se o professor, jogador de RPG desde a adolescência.

Mas, no caso dos alunos de Francisco, o aprendizado não se deu num passe de mágica. Antes de começar a jogar, a turma já possuía conhecimentos básicos sobre a relação entre massa e energia, importante para entender as reações atômicas. A opção do docente - usar o RPG para reforçar o conteúdo aprendido, ou no máximo agregar uns poucos novos elementos a ele - é compartilhada pela maioria dos especialistas no assunto.

Apenas uma etapa
Luiz Ricon, da PUC-RJ, acredita que o jogo é mais bem aproveitado quando usado depois da explicação inicial. "Ele funciona como outra perspectiva sobre o mesmo tema", opina. Já para a professora Kazuco, o RPG pode até apresentar um novo conteúdo, mas o professor deve estar preparado para oferecer aos alunos ferramentas de pesquisa a qualquer momento em que as dúvidas surjam. "E, quando a aventura termina, é importante incentivar a turma a relatar tanto a experiência do personagem quanto o aprendizado do tema abordado." O consenso, desta vez, é que o RPG deve ser apenas uma etapa do ensino do conteúdo. Ter consciência disso é fundamental para que o jogo, além de divertir, também ajude a turma a avançar.


O mapa da mina
Escolher um bom RPG educativo ou desenvolver um próprio é apenas o primeiro passo para o planejamento da atividade. Os consultores ouvidos por NOVA ESCOLA listam uma série de orientações para que o jogo - e, principalmente, o aprendizado - seja um sucesso:

- Familiarize-se com o jogo O melhor é começar como jogador. Assim, você vivencia a aventura e repara erros do enredo que concebeu.
- Tenha um objetivo pedagógico 
Apesar do caráter lúdico da atividade, sua função primordial na escola é incentivar a pesquisa sobre um conteúdo. É com base nele que os desafios propostos durante a aventura devem ser estruturados.
- Não dê respostas 
Num RPG, os estudantes mais que nunca têm postura ativa. Oriente-os a pesquisar em livros e filmes e a trocar informações com os colegas.
- Planeje o tempo 
É importante estar atento tanto ao esgotamento do assunto quanto à necessidade de um desenvolvimento maior que o esperado. Para dar aos alunos tempo de buscar respostas sobre um mistério, uma alternativa é dividir a aventura em mais de um dia de aula.
- Gerencie o imprevisto 
O que acontece na história não pode ser controlado inteiramente porque depende da interação com os alunos. Dê espaço e investigue aspectos curiosos relacionados ao conteúdo.

Fonte: Revista Nova Escola (http://revistaescola.abril.com.br/historia/fundamentos/abc-rpg-423044.shtml).


quarta-feira, 13 de fevereiro de 2013

Uma história de amor e fúria


Uma oportunidade única para os colegas professores de história! O site "Revista de História" publicou uma prévia do filme que trata a história do Brasil como uma luta social, e não como um resultado cômodo da invasão portuguesa.


“Pardos, nus, sem coisa alguma que lhes cobrisse suas vergonhas.” Já dizia Pero Vaz de Caminha sobre os nativos de Vera Cruz. E em Uma História de Amor e Fúria, é assim mesmo que eles aparecem... Com tudo à mostra. A animação, que de infantil não tem nada e é mais voltada para o público adulto, narra a história de amor entre Janaína e Abeguar – um guerreiro tupinambá que sobrevive aos séculos ao assumir a forma de um pássaro. E põe séculos nisso: a narrativa dura seiscentos anos, atravessando um tanto de acontecimentos históricos. O filme estreia no próximo dia 22 de março nos cinemas.
“Viver sem conhecer o passado é andar no escuro.” Com seus traços duros e uma linguagem tradicional das revistas de histórias em quadrinho, o filme tem como mote a internalização do passado, para que o presente não seja um completo desperdício. Abeguar (Selton Melo), além de protagonista, é quem conduz a narrativa. É sob sua ótica e perspectiva, que quatro fases da trajetória do Brasil são desenhadas diante de nossos olhos: a colonização, a escravidão, o regime militar e o futuro, em 2096. 
No comecinho da colonização portuguesa, no século XVI, a região da Bertioga era considerada a transição entre o território tupinambá, que ia desde o cabo de São Tomé, no que hoje é o Rio de Janeiro, até o rio Juqueriquerê, em Caraguatatuba e o território dos tupiniquins, que ia desde as cercanias de São Vicente, passando por Itanhaém e Peruíbe, até Cananeia. Sofrendo constantemente com os ataques dos tupinambás de Ubatuba, os portugueses do núcleo vicentino decidiram construir o forte de São José da Bertioga.
É mais ou menos neste contexto que se dá o início do filme. Abeguar atinge sua “maioridade” ou, trocando em miúdos, acaba de virar “macho” – segundo a tradição tupinambá, o menino vira homem ao matar sua primeira onça – quando lhe é concedida a “singela” missão de salvar o mundo da fúria de Anhangá. Opositor direto de Munhã, espécie de guia espiritual indígena, Anhangá representa a invasão dos portugueses, o extermínio dos índios e todas as mazelas decorrentes disto, como a prevalência do mais forte sobre o mais fraco, do mais rico sobre o mais pobre, do poder sobre a justiça.

A vitória dos portugueses na Bertioga representa, também, a primeira falha do guerreiro indígena, que vê sua amada Janaína (Camila Pitanga) morrer pouco tempo depois. Destinado a se transformar em pássaro sempre que vencido pelo “lado negro da força”, o espírito de Abeguar vaga até o ano de 1825 e só desperta ao se deparara com uma versão maranhense de Janaína.



Durante o período regencial brasileiro, o Maranhão algodoeiro passava por uma grave crise econômica, devido à concorrência com os Estados Unidos. Aqui, o protagonista aparece na pele de Manuel dos Balaios, um vaqueiro benfeitor dos arredores de São Luís, que ajudava escravos fugidos das plantações e, posteriormente, vem a se tornar líder da rebelião que ficou conhecida como Balaiada. Os líderes balaios - na História e no filme - foram mortos em batalha ou capturados. Abeguar/Manuel, claro, vira pássaro e dá prosseguimento à sua jornada.
Ele só reencontra Janaína – aquela que parece ser a única força motriz capaz de transformá-lo em homem novamente e no herói que a História precisa, como previu Munhã – no Rio de Janeiro de 1968, em plena Ditadura Militar. Abeguar é Cau, um jovem estudante que adentra no dito (e fictício) Movimento Revolucionário da Ação Democrática, uma fabriqueta de guerrilheiros esquentadinhos, para ficar mais próximo da garota que de nada se lembra sobre suas vidas passadas. O velho tupinambá vive em Cau até 1980, quando é baleado durante uma batida policial na favela em que mora com o amigo Feijão, antigo companheiro de cela na época do regime militar.
“Meus heróis nunca viraram estátua. Morreram lutando contra os caras que viraram.” A frase, que parece tentar resumir, ainda que de forma simplista, a História do Brasil é uma crítica ao nosso passado e presente, mas também ao futuro. Futuro este que, na visão do roteirista e diretor Luiz Bolognesi, está perdido. Da década de 80, Abeguar alça voo para a futurística Cidade Maravilhosa de 2096. E a partir daí são apenas previsões em tom de alerta. A “cidade mais segura do mundo”, protegida por milicianos que têm até ações na bolsa de valores é também a cidade do sexo, a cidade onde a água custa mais caro do que uísque importado.
Diz-se da História que ela é sempre contada a partir do ponto de vista dos vencedores, este filme é uma boa oportunidade para conhecer um pouco do amor e da fúria dos derrotados.


Retirado de: CUNHA, Gabriel Nogueira, Para o Brasil, com amor (e fúria), disponível em: http://www.revistadehistoria.com.br/secao/cine-historia/para-o-brasil-com-amor-e-furia

sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

Mais uma desculpa para continuar falando de orcs com sex-appeal

"How you doin'?"


Uma das coisas mais fantásticas que o RPG proporciona é a possibilidade de se tentar sair de si. Se desapegar de seus próprios valores, de se buscar entender o outro, de tentar se reconstruir em um novo universo. É claro que cada um de nós possui arquétipos favoritos e é normal que busquemos jogar mais com personagens que sigam estes modelos do que com outros.



Eu sempre gostei de criar personagens exóticos, mas, vez por outra, sigo arquétipos-padrão, pois eles também são atraentes a seu modo. Os últimos quatro personagens que fiz foram, na ordem: um vigilante halfling (sabe os hobbits? então, pense em um batman hobbit...) amargurado em busca de vingança, um caçador de lobisomens amargurado em busca de vingança (ok, não estava em uma fase muito criativa), um aluno covarde de uma escola de magia iniciando-se nos caminhos ocultos e, por último, um forasteiro misterioso (mas simpático!) que, na verdade, era um pirata que fugira de seu país de origem por ter roubado de seu capitão.



Nananananananana... Bat-Halfling!


Não reinventei a roda em nenhum deles, certo? Bem, não, ao menos, no nível de um orc com sex-appeal, mas cada um deles foi especial, para mim, por suas diferenças entre si, seja por conta de suas histórias, seja pelas diferenças de perspectivas. Mesmo o Bathobbit e o caçador de lobisomens vingativo se comportavam de forma diferente: o primeiro, apesar de ser sisudo e amargurado, tinha que lutar contra a alegria e inocência intrínsecas de seu povo, enquanto o segundo, bem, este já era bem derivativo mesmo - obsessivo, obstinado, etc.



Como plataforma educacional, acredito que o RPG carregue consigo esta possibilidade interessantíssima de nos fornecer meios para que observemos situações de ângulos diferentes, de acordo com conjunturas diferentes. Sabe quando dizemos "e se..."? É um exercício de reflexão interessante e importante - em administração, por exemplo, fazer projeções de acordo com cenários diferentes nada mais é do que um grande "e se...?" - e sobre o qual o RPG se baseia.



Se você vivesse em um universo onde matar goblins por diversão faz parte do entretenimento do povo e se seu personagem fosse um amante da natureza, como ele se posicionaria? E se ele soubesse que os goblins deste universo possuem, como parte de seus instintos, a necessidade de destruir fauna e flora de onde quer que vivessem? Este tipo de exercício criativo permite que especulemos experiências e situações que, de outro modo, jamais viveríamos!





E se os tais goblins destrutivos fossem tão simpáticos quanto este rapaz aqui?


E se você morasse em uma nação rica que explorasse as nações mais pobres ao seu redor, como você se posicionaria? E se você fizesse parte da elite desta nação? E se você fizesse parte do grupo de pessoas que sonha um dia em fazer parte da elite? Para cada universo, para cada personagem, para cada jogo existe uma multitude de questões e situações que podem ser trabalhadas! Em História, por exemplo, como agiriam os jogadores se fossem fidalgos em busca da salvação na Terra Santa quando descobrissem, ao voltar para casa, que seu antigo reino tinha sido invadido por outro? Em Geografia e/ou Biologia, como fariam os jogadores para sobreviver em um bioma hostil, como os sertões ou as tundras? Em sociologia, como seria viver como parte de uma minoria em uma sociedade preconceituosa e discriminatória? Enfim, as possibilidade são tão finitas quanto a imaginação de jogadores e mestres! Criar personagens é fascinante e é mais legal ainda experimentar viver a sua criação. Quer como forma de instigar a criatividade ou o exercício de reflexão e empatia, poder ser um outro alguém em um outro lugar e em outros tempos nos possibilita compreender muito melhor o que pensa o Outro e em nossa relação com ele.


"No, how YOU doin'?"

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Curso "Contadores de História"

A Devir anunciou em seu twitter uma boa oportunidade para quem quer aprimorar a técnica de narração! Serve tanto para RPGistas, quanto para professores!

As aulas acontecerão a partir de 26/02 na biblioteca Lucília Minssen, em Porto Alegre, RS.


Mais informações através do e-mail bibliotecaluciliaminssen@gmail.com

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

Todo o passado no presente

Quando tudo começou, eu sequer sabia que um dia viria a existir. Em verdade toda a minha memória são trevas até cerca de 20 anos atrás. Nunca saberei o que foi tudo aquilo que veio antes de mim, também jamais conceberei o legado que deixo para muito depois do momento em que deixarei de ser eu para ser só um monte de matéria empilhada e sem vida existir.
O tempo é uma medição matemática de uma coisa que conseguimos inferir a existência. Deduzimos a passagem do tempo, assim como deduzimos que as pirâmides eram elementos relevantes politicamente no antigo Egito. Verdade é que o tempo é uma percepção, não um dado. Não é irrefutável a sua existência, nós efabulamos sua concretude porque precisamos que seja assim. Do contrário não conseguiríamos conceber narrativas. E todos sabemos o quão importantes são as narrativas para os homens. Imagine que ao invés de você perceber o tempo por nascer, crescer e morrer, você o percebesse como um instante. Tudo acontecendo ao mesmo tempo e de uma só vez, nascer e morrer seriam equivalentes, crescer não estaria mais relacionado com concentrar conhecimento, dor e prazer seriam sensações muito similares, estar apaixonado e gripado também. Como será que alguém com essa experiência agiria em vida? Como será que ele contaria uma história? Se eu fosse assim eu ainda cometeria os mesmos erros que cometi?
O fato é que nós, humanos, não percebemos o tempo dessa maneira. Percebemo-lo de maneira linear e sucessiva. E nessa progressão, vamos a escola, onde ensinam-nos que os homens do passado estiveram por toda a história construindo o mundo para esse momento em que nos encontramos agora. Como somos pretensiosos! Pois não é bem assim. Nenhum deles e nenhum de nós temos a precisa dimensão de como o tempo se relaciona com os homens. Tudo o que podemos fazer é ter esperança de que nossas escolhas agora resultem em um futuro melhor, de preferência melhor para todos.
A crítica aqui não se direciona a escola, ela é um elemento importante na vida dos homens [como nós conhecemos a vida hoje], isso porque é nesse espaço em que o mundo, e por consequência o universo, é sistematizado. Só depois de entender o sistema erguido para compreendermos o mundo é que nós, os homens, podemos fazer uma escolha ou propor escolhas que mudem de direção essa relação. Porque, é necessário falar, entender o mundo dessa ou daquela maneira é também relacionar-se com ele dessa ou daquela maneira.
Pois a escola ensina-nos sobre as escolhas que até hoje foram feitas e, assim, mais facilmente podemos identificar com quais concordamos e com quais não. E assim tudo muda e tudo continua a mesma coisa. Essa liberdade de escolhas não vem a um preço barato, só se ganha esse tipo de desvelamento do olhar depois de se pensar sobre os conteúdos. Só que pensar não acontece somente quando você está concentrado e debruçado sobre um tema. Muito pelo contrário. Não nos contam os professores de química que a conformação de uma molécula de benzeno foi descoberta em um sonho?!
Sonhar é importante para os homens. Sonhar no sentido figurado e literal. O RPG é uma ferramenta de diversão e estímulo para a mais poderosa ferramenta humana, sua imaginação. Todo o mundo moderno nasceu da imaginação de homens que viveram em nosso passado. Para o bem e para o mal, muito pouco dos confortos contemporâneos nasceram naturalmente. O passado de toda a humanidade está a sua volta o tempo inteiro, das colunas [replicantes] gregas que encontramos na arquitetura neoclássica ao papel higiênico tudo o que vemos hoje é um reflexo de algo que aconteceu no passado. Um reflexo e uma atualização.
O conceito de tempo também. Só depois da teoria quântica de Einstein podemos conceber um tempo que não é linear, só depois dos horrores experimentados ao longo do século XX podemos vivenciá-la. A escola é potente em dar ferramentas para a percepção desse tipo de leitura, o RPG também é por manter sempre aberta a mente de seus jogadores para a possibilidade do impossível. Ainda assim somente o indivíduo disposto a pensar é capaz de identificar essas pequenas incoerências na "realidade construída" e propor mudanças, de leitura ou reais.

segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Podcast sobre RPG e práticas de leitura

O blog Entcast Pub produz Podcasts semanais sobre RPG e o último fala sobre RPG e educação. Mais especificamente sobre RPG e práticas de leitura. Conta com a participação de Bruna Coletti, pesquisadora da UFSC falando sobre sua área de pesquisa. Tocaram em pontos polêmicos como a violência na infância, e pontos importantes como a mudança de método de ensino na escola contemporânea.

O pesquisa você confere em: http://rpgleitura.blogspot.com.br/

Para ouvir o Podcast:
http://media.entbonsai.com/podcasts/entcast_pub_14.mp3

O Brasil todo pensando nossas práticas!