O grupo “Interpretar e Aprender” surgiu como ideia nos corredores da Universidade de São Paulo por três estudantes de História interessados em integrar diversão e aprendizagem. Apaixonados tanto por narrativas fantásticas quanto pelo ato de ensinar, estes amigos decidiram criar um grupo cujo intuito seria trabalhar, de forma prazerosa, os conteúdos escolares - e não haveria melhor maneira de fazê-lo do que utilizando o RPG, ou Role Playing Game.

segunda-feira, 17 de novembro de 2014

É (Quase) Tudo Improviso

A frase "os homens fazem a história, mas não como a querem" é bastante verdadeira em vários níveis, mas ela é especialmente verdadeira nos universos de RPG. Por mais controladores que alguns mestres possam querer ser, raros são os mestres capazes de fazer com que suas histórias se desenvolvam das maneiras como eles a haviam planejado. Por mais capazes e persuasivos que alguns jogadores sejam, raros são aqueles que obtém tudo o que querem e esperam em um jogo de RPG. Em um teatro sem script, onde a imaginação de cada artista interfere na peça narrada de maneiras muito peculiares, o improviso não é uma contingência, mas o caminho através do qual os jogos de interpretação de papeis se fazem.

"Eu era uma menina muito... muito... muito Ranger/Druida level 7, sabe?"
Há poucas semanas, eu, Thiago e um mestre especialmente convidado, Marcus Borgonove, narramos uma aventura sobre a Segunda Guerra Mundial para um grupo de pré-adolescentes. O Paulo nos ajudou a preparar a aventura e a ideia que tivemos era retomar a dimensão humana da guerra junto aos meninos, com quem temos trabalhado desde o começo do ano. A ideia que tem delineado este trabalho é a de que não há vitória humana possível para quem participa das guerras, apenas para quem a experimenta como fato político. Em um contexto no qual os meninos se vêem entre a glorificação e a banalização da violência, achamos que é importante estabelecer um contraponto cultural.

Não importa o quanto se planeje, contudo, o inesperado sempre se faz presente. Nós tínhamos planejado e desenvolvido um arco dramático em três fases simples: uma introdutória, com o intuito de fazer com que eles sentissem raiva dos inimigos; uma intermediária, em que os enfrentariam e uma conclusiva, em que os faríamos questionar se a guerra valia a pena e para quem. Os meus jogadores, contudo, acabaram tomando decisões, ainda na introdução, que me fizeram alongar aquele início. A partir daí, eu tinha duas escolhas: ignorar estas decisões dos jogadores e seguir em frente ou explorá-las e tratar de suas consequências.

"Esta viagem está muito devagar... Tive uma ideia!"
Eu optei por mudar meu planejamento. Transformei aquela minha fase inicial e eu os fiz considerar, ali mesmo, as tragédias e as perdas envolvidas na guerra. A narrativa tornou-se outra; eles mesmos nem queriam mais lutar, mas sim, salvar e proteger - tratava-se menos de raiva e mais de evitar que aquilo continuasse. Quando reparei nisso, tive que mudar a tônica da narrativa. Era hora de dar a eles algo épico, então, pois a motivação deles se modificou muito - e o comportamento deles também.

Um dos jogadores estava mortalmente ferido, diante de um soldado inimigo e decidiu que iria fazer uma surpresa...

A decisão de fugir dos nossos planos nunca é fácil. Por bastante tempo, optei por narrar de improviso. Deixava os jogadores livres para que buscassem o que quisessem enquanto eu apenas fornecia cenário e outros personagens. Descobri que esta forma de narrar causa menos frustração, uma vez que você não vê seus planos serem dilacerados por um ou mais jogadores rebeldes, mas, por outro lado, também pode levar a jogos sem muito sentido. Acredito, agora, que o melhor a fazer é ter um plano, mas, ao mesmo tempo, estar sempre disposto a abrir mão dele em prol da diversão do grupo e do sentido da narrativa. A flexibilidade pode ser a chave para transformar uma boa tarde de jogo em uma tarde memorável!