O grupo “Interpretar e Aprender” surgiu como ideia nos corredores da Universidade de São Paulo por três estudantes de História interessados em integrar diversão e aprendizagem. Apaixonados tanto por narrativas fantásticas quanto pelo ato de ensinar, estes amigos decidiram criar um grupo cujo intuito seria trabalhar, de forma prazerosa, os conteúdos escolares - e não haveria melhor maneira de fazê-lo do que utilizando o RPG, ou Role Playing Game.

terça-feira, 28 de agosto de 2012

Goku, professor de biologia


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Imagine ter aulas de Biologia com o Goku. O tradutor brasileiro Wendel Bezerra (que também dubla personagens como Bob esponja) gravou aulas de biologia com a voz do protagonista do anime Dragon Ball Z. Eis um exemplo:


É esta fagulha de interesse que o professor deve despertar no aluno. Os alunos do fundamental I podem não conhecer o desenho, mas quem sabe se o Naruto ou mesmo a Carminha, de avenida Brasil, novela global, narrassem, os alunos se interessassem mais pelo conteúdo. 

Em nossas experiências, o RPG cumpre este papel 100% das vezes. Em viagem de estudo do meio com o 6º ano, criamos uma aventura com os planetas do sistema solar relacionados à mitologia. Dividimos os 46 alunos em oito grupos - cada grupo associado a um planeta - e suas missões compunham um cenário maior, onde Cronos (na mitologia grega, ou Saturno, na mitologia romana) pretendia libertar-se de sua prisão de anéis e retomar o curso original do universo, vingando-se dos deuses. (Para o mito de Cronos, clique aqui)
Nas atividades no CEU - Centro de Estudos do Universo, em Brotas, o interesse dos alunos, comparado ao ano anterior, foi sensivelmente superior. 
Como só havia um narrador, não houve tempo hábil para concluir os oito grupos, e nesta semana os três grupos que ainda não jogaram vão experimentar pela primeira vez, o RPG. Semana que vem conto como terminou a aventura.

sexta-feira, 24 de agosto de 2012

Jedi ou Sith?

O que aconteceria se Luke Skywalker, ao invés de gritar um sonoro "Não!", dissesse "Ok, pai. Vamos lá. Vamos fazer do seu jeito..."? O que aconteceria se Frodo tivesse, de fato, se rendido ao poder do Um Anel? Ou que tal se, ao invés de enlouquecer e se tornar um criminoso, Duas-Caras tivesse se tornado um vigilante tal qual Batman? Ou ainda, se Magneto tivesse, de fato, sido um dos mentores dos X-Men ao invés de ter se voltado contra Charles Xavier e seus alunos? Cada uma destas escolhas mudariam completamente o conteúdo de suas obras, certo?


Há alguns anos, alguns jogos eletrônicos começaram a oferecer escolhas que não se tratavam mais de estratégia ou tática, mas sim do desenvolvimento da narrativa. Claro, alguns jogos mais antigos já ofereciam este tipo de coisa, alguns deles criados e jogados só com programação e interação textual, mas quando este recurso chegou a jogos comerciais, foi um grande marco.

Alguns destes primeiros jogos são até hoje cultuados por fãs saudosos. Baldur's Gate I e II foram os alicerces que colocaram as desenvolvedoras de jogos Black Isle e a Bioware no mapa. A primeira empresa quebrou, mas a segunda foi comprada pela Eletronic Arts, uma das maiores companhias do gênero, e, junto dela, lançou Mass Effect e Dragon Age, duas franquias de grande sucesso no mundo dos jogos.

Por outro lado, surgiu também Fallout, com uma história pós-apocalíptica inspirada em Mad Max, oferecendo a seus jogadores liberdade e escolhas como poucos jogos já o fizeram na história dos games. Mais tarde, esta franquia foi comprada pela Bethesda, criadora do Elder Scrolls, outra das franquias de maior sucesso e longevidade do mundo dos games, que produziu e lançou Fallout 3.

Fallout 3, Elder Scrolls V: Skyrim e as franquias Dragon Age e Mass Effect foram alguns dos lançamentos que mais aguçaram a expectativa dos gamers pelo mundo afora. Diferentemente de Diablo e seus derivados, estes jogos ofereceram aos jogadores não só um cenário para aventuras lineares, mas também a chance de tomarem decisões e de influenciarem na trama que os permeia.

O poder de tomar decisões, de realizar escolhas, é talvez uma das coisas mais fascinantes nos RPGs. Todos estes jogos clássicos que citei se inspiraram na liberdade dos RPGs de mesa e tentaram simulá-la, mas seus pares mais novos vêm decepcionando seus fãs mais antigos por estarem mais preocupados em utilizar o poder dos computadores e videogames de última geração para renderizar belos gráficos do que para ampliar a capacidade dos jogadores de influenciarem no caminho das tramas. Por conta disso, sugiro a todos os fãs de jogos como os aqui citados que experimentem os jogos de mesa, que são completamente pautados pelas escolhas de cada um dos jogadores. Garanto que não irão se arrepender!

quarta-feira, 15 de agosto de 2012

Publicações

Os nossos leitores ainda devem estar perguntando se só nós somos loucos o bastante para trabalhar com isso.
Claro que não.
Uma simples busca do termo "RPG" no site da revista Nova Escola traz alguns resultados muito esclarecedores. 

Há, ainda, trabalhos mais profundos. A academia está cada vez mais, do alto de sua torre escura, virando seu grande olho para o RPG. O blog RPG Acadêmico reúne diversas teses de variados níveis de pesquisa sobre o RPG.

O site de Alfeu Marcatto é referência. Assim como o livro de Sônia Rodrigues "Roleplaying Game e A Pedagogia da Imaginação no Brasil", e a pesquisa sociológica de Andréa Pavão. Outros professores como Leandro Villela estão sempre mostrando  novidades.

Enfim, neste post já tem bastante material para quem quer saber mais sobre o trabalho com RPG.

segunda-feira, 13 de agosto de 2012

7.000.000.000 de pessoas conformam a humanidade?


Uma pergunta de resposta difícil essa. Porque a humanidade, posta desta forma, implica em uma relação entre o individuo e a coletividade que o cerca. Alguns, firmados na certeza da materialidade responderão que sim, porque afinal somos todos compostos pelos mesmo elementos químicos, com as mesmas funções vitais, agindo como animais; outros titubiarão ao ser tão categóricos nessa resposta, uma vez que o que define o homem, o que o aparta do mundo animal é sua capacidade de pensar, o fato de ele ser um ser cultural. Se o mundo simplesmente existe, um ser humano só se entende como tal em relação a alguma coisa, seja outro ser humano seja em oposição a natureza. Podemos afirmar então que o homem é um ser cultural e material [animal] e existe uma miríade de culturas humanas habitando e que já habitaram o mundo, hoje com seus sete bilhões de habitantes.

A cultura seria o refinamento da percepção humana para se colocar em relação ao seu entorno. Quando a realidade se limita as percepções humanas então tudo o que existe passa pelo crivo daquilo que conseguimos notar. Há sempre o problema da loucura que se insere nessa problemática. Normalidade é um conceito criado e aceito por um grupo; se o líder do grupo nu, define que suas roupas são belíssimas e o grupo aceita seria o louco aquele que aponta a nudez de sua liderança ou seria louco todo o grupo que aceita a vestimenta imaginária enquanto bela? 


O que venho tentando apontar com essa série de posts discutindo a narração é o fato de que o jogo pode acrescentar a essa discussão por pertencer e habitar estritamente o espaço lúdico, inventivo, imaginário da percepção humana, pouco ou nada do conceito de um jogo habita seu suporte físico. O RPG em especial é um tipo de jogo que se passa estritamente na imaginação de seus jogadores, pouco se debruçando sobre a realidade. Assim também funciona a literatura, científica ou ficcional, porém por se aportar em bases materiais essa notação é dificultada para o leitor que irá acessá-la por interesse acadêmico ou simplesmente para seu entretenimento.

As questões da percepção, da possibilidade de uma loucura coletiva e da linguagem enquanto método de acesso ao mundo real, são questões filosóficas profundas que exigem um olhar clinico para sua percepção. Mais do que isso elas servirão apenas a aqueles que estiverem interessados em associar-se e em promover determinado projeto social em detrimento do que se tem ou do que se pode vir a ter.

sexta-feira, 3 de agosto de 2012

Mas, afinal, como funciona este tal RPG?

"Vocês finalmente chegam ao povoado", disse o Narrador, em um tom enigmático e ligeiramente sôfrego. "Há dias que vocês viajavam, passando por trilhas difíceis, passagens perigosas e por dias de privações. Desde que saíram do litoral, vocês não puderam comer direito, dormir direito ou descansar direito. Enquanto subiam a muralha florestal, conforme trilhavam caminhos pelos morros, mosquitos e pernilongos os escoltavam, ao passo que o sol do verão ardia em vossas peles, mesmo debaixo de sombra e protegido com chapéus e roupas grossas. Era comum que se chamasse o interior destas terras de Inferno Verde. Nenhum de vocês poderia dar um nome melhor ao local. Agora, contudo, o pior já passara. Finalmente vocês chegavam a São Paulo do Piratininga - e poderiam se dar por sortudos: sequer atacados pelos gentios vocês foram".

"Antes de subirem, Guairá, que já iria percorrer o caminho de qualquer forma, guiava Lopes de Azevedo em troca de alguns vinténs, quando foram interpelados por D. Armindo. D. Armindo estava ao lado de dois capatazes exaustos e algumas caixas. Em troca da ajuda de Guairá e Lopes, D. Armindo prometeu hospedagem e hospitalidade em suas terras para ambos", terminou, finalmente o Narrador.

Lucas pegou sua ficha e olhou para o nome de sua personagem. 'Lopes de Azevedo', estava escrito. Parecia um tanto... sem graça, mas o Narrador pedira para que escolhesse um nome que parecesse bem português. O nome do personagem do Philippe lhe parecia mais legal: 'Guairá'. Parecia nome de estrada ou de rua, mas soava bem mais... fantástico. Bem, Lucas havia criado um ex-oficial do exército português tentando uma nova vida na colônia - não dava para ter um nome muito fantástico mesmo. Já Philippe optara por um guaianás que buscava se vingar dos guerreiros de uma aldeia de origem tupi próxima da pequena vila no Planalto de Piratininga. Segundo o Narrador, à época, a nação tupi de Tibiriçá (confundida, por vezes, com os guainases) era aliada dos portugueses . Já o outro jogador, Caio, criara 'Dom Armindo de Andrada Gouveia Coelho", um colono nobre e rico que viera da capitainia de São Vicente para ver como estavam suas propriedades sobre a Serra do Mar. 

Caio olhou para sua ficha, que o descrevia como uma figura desonesta e maliciosa e deu um sorriso. Disse então: "Quando chegamos às minhas terras, eu digo: 'Bem, chegamos cá. Sou muito grato aos senhores e, como prometido, hospedarei-os e serei hospitaleiro quando quiserem'. Aponto então para um lugar a céu aberto, no meio do mato do interior da propriedade e falo, parecendo generoso: 'Vocês podem dormir aqui!'". Lucas e Philippe arregalam os olhos e quando iam reclamar, o Narrador orientou: "Bem, ele é o dono da propriedade e não seria muito sábio, para um homem da época, contestar e enfrentar um nobre, muito menos em suas terras". Resmugaram um pouco, para diversão de Caio e continuaram com o jogo.

"Algumas dias depois depois, Lopes finalmente conseguira um emprego: como sabia ler, escrever e fazer contas, passou a trabalhar na Câmara Municipal, que, segundo o Narrador, na época se chamava Casa do Conselho. Já Guairá, sedento de vingança, procurou descobrir onde estavam seus inimigos. Enquanto isso, D. Armindo logo ficou mais interessado em sua amizade com o ex-oficial Lopes. Tudo ia muito bem, até que, repentinamente, liderados pelos Tupinambás, os nativos da Confederação dos Tamoios atacaram a Vila!", descreveu o narrador, animado. Agora, terminada a introdução, a aventura começava de verdade para eles. Quando disse que iria fazer uma aventura que se passava no Brasil, os jogadores não pareciam muito excitados. Agora, depois de uma tarde inteira estudando história, o esforço parecia estar valendo a pena...