O grupo “Interpretar e Aprender” surgiu como ideia nos corredores da Universidade de São Paulo por três estudantes de História interessados em integrar diversão e aprendizagem. Apaixonados tanto por narrativas fantásticas quanto pelo ato de ensinar, estes amigos decidiram criar um grupo cujo intuito seria trabalhar, de forma prazerosa, os conteúdos escolares - e não haveria melhor maneira de fazê-lo do que utilizando o RPG, ou Role Playing Game.

terça-feira, 31 de julho de 2012

Uma digressão, um exemplo


Venho a cerca de um mês discutindo a importância de lermos as narrativas que nos rodeiam para estarmos aptos para desconstruí-las quando essas histórias não colaboram mais com os projetos que desenhamos para nossos futuros, individuais e coletivos. Na semana passada especialmente falei sobre isso e sua aplicação em um sistema de ensino, uma sala de aula. A discussão formada em torno do ultimo post foi profícua. Muitos amigos, colegas e educadores manifestaram-se, em apoio ou repúdio a nosso projeto.

Então hoje, ao invés de trazer o post final da trilogia sobre a narrativa que venho escrevendo há semanas, resolvi aplicar o exercício que há tempos venho discutindo: desconstruir uma narrativa para poder julgá-la em termos estéticos, éticos e (por que não?) educativos. Ser exemplo e mostrar do que estou falando para mais tarde apresentar os desdobramentos ideais dessa atitude.

Existem várias maneiras de se desconstruir uma história. Pode-se fazer isso por sua ideologia, por seus métodos narrativos, suas referenciais, por suas formas de construção de cena, etc. Há sempre uma escolha a se fazer sobre qual método assumir. Naturalmente o mais costumeiro é uma sobreposição desses métodos.

No último filme da trilogia de Gotham City, dirigida por Christopher Nolan, encontramos uma trama tensa, complexa e, para aqueles que muito esperavam daquilo que o diretor vinha construindo até agora, decepcionante. Não porque a história seja rasa, ela não é; nem porque o diretor assume a experiência socialista humana como um exercício absoluto da opressão sobre os habitantes da mais importante cidade americana (Nova York, a cidade que personifica Gotham nesse filme). Essas leituras podem doer neste ou naquele observador, enquanto são aplaudidas por outros.



O que determinou a decepção dessa história no meu caso foi a imprecisão em detalhes que o diretor permitiu escapar. Nolan é um narrador impecável, com títulos como Amnésia, Insônia, A Origem e os filmes anteriores da trilogia do Batman (Begins e O Cavaleiro das Trevas) em seu currículo. O preciosismo que esse autor trabalha suas histórias é exemplar e quando apareceram os primeiros trailers desse novo filme (Batman: The Dark Knight Rises) tudo indicava que sua trilogia seria apoteótica e escrachada sobre os defeitos de uma sociedade que produz, aplaude e excomunga um justiceiro encapuzado que, por ironia do destino ou sorte adversa das camadas superiores, tem atitudes que consolidam o sistema ao invés de combatê-lo.

Pois este é o Batman, não se enganem, um sociopata desvairado que ao invés de combater os reais problemas que levaram sua família à destruição passa a combater os próprios ladrões. O Batman não combate os vícios que geram a maldade, ele combate os índices, em ultima análise outras vitimas, desse mesmo caldo que o criou. Talvez por isso ele seja um herói tão interessante: ele é forjado da mesma liga que são os vilões. Talvez por isso também sem um grande antagonista o Batman não é nada. Quem dá o tom da luta, não é o morcego e sim seus adversários.
Em Batman: O cavaleiro das trevas, vimos o homem-morcego tentando combater um homem que, nas palavras da personagem que é o contra-ponto são desse bom psicopata – Alfred Pennyworth (interretado por Michael Caine na trilogia de Nolan) –, “só quer ver o mundo queimar”. A lógica que guiou o herói durante sua carreira de combate ao crime é posta a prova e uma nova atitude deve ser assumida pelo vigilante, que, sem titubear faz isso: ele invade a privacidade de toda a cidade simplesmente para pegar um homem cuja lógica ele não consegue entender muito menos quebrar. Em uma analogia ao nosso mundo, não seria isso que os estados ditatoriais fizeram? Não é isso o ato patriótico aprovado pelo congresso americano depois do ataque as torres gêmeas? 

Mas Nolan é um narrador hábil demais para ser pego desprevenido, e toda a tensão nesse momento da história não está posta em o herói invadir ou não a privacidade da cidade. Porque sendo um herói ele sabe que o que está fazendo é errado, por isso mesmo não será Bruce Wayne disfarçado a manipular a máquina. Não a pessoa destacada a guiá-lo será Lucius Fox (interpretado por Morgan Freeman), seu mentor intelectual e um amigo necessário dentro das industrias Wayne.

A questão dramática fica a cargo de outra escolha imposta pelo Coringa (interpretado magistralmente por Heath Ledger): duas barcas de evacuação da cidade estão cheias de pessoas, uma por pessoas comuns outra por detentos; as duas estão cheias de explosivos e o detonador de uma está na outra; a barca que ativar primeiro o detonador irá se salvar; caso nenhuma das duas ative-o, o Coringa explodirá ambas. Note que o ápice da tensão dramática não está em o herói pegar ou não o vilão e sim em como pessoas normais lidam com aquela situação. A caçada do morcego a seu arqui-inimigo é pano de fundo para um drama real que pode acontecer em qualquer mundo.

Já não é isso o que acontece em Batman: O cavaleiro das trevas ressurge. O vilão desse filme já não é o caos, aquilo de desestrutura e impede a ordem. Seu inimigo é mais palpável e real, ele é um homem, ele é, até o ultimo momento, Bane, o guardião. Guardião de que, só se descobrirá ao fim da jornada do morcego e mesmo assim ele será um homem, um monstro e um libertador. Fiquei muito triste em notar que a libertação que ele oferece é, em ultima análise, a libertação simples e pura das amarras sociais e não dos ditames que nos prendem de maneira tola a um pedaço de papel que conferimos valor imaginário, o dinheiro. Bane não respeita a vida humana, nem sequer tem apreço por ela e é nisso que toda a possibilidade de igualdade some. 

Ainda tenho minhas dúvidas sobre quais são as posturas políticas do diretor, não consigo ler claramente suas intenções quando, ao impor a “revolução” de Bane a Gotham City ele cria uma corte maluca que deve julgar as pessoas e o juiz não é ninguém menos que o Espantalho, o vilão fracassado, muito utilizado mas um tanto ausente de um propósito maior como o Coringa. Certamente seu propósito é ridicularizar a revolução Francesa e igualar Robespierre, herói e carrasco nesse episódio da história, ao Espantalho. No entanto, não consigo deixar de pensar que o diretor só é capaz de fazer tal troça dessa revolução porque ela, ao invés de guiar-nos a melhoria do mundo e das condições humanas, nos trouxera até aqui, essa Gotham City aonde, nas palavras da mulher gato, “vocês viveram com tanto e deixaram tão pouco para o resto de nós”.


O filme novo de Nolan é uma experiência. E uma experiência ruim e decepcionante, mas não porque ele é raso. Ele é o que é, porque ele não é categórico ao afirmar que assim como Bane é um socialismo-psicopata, Batman é um capitalismo-psicopata. Ele não é categórico ao afirmar que o mundo não tem salvação. E que tudo o que resta para as gerações futuras é a lembrança feliz [e imaginária] na cabeça de um velho que não conseguiu salvar seu pupilo (preste muita atenção na última aparição de Alfred Pennyworth nesse filme e veja pelos meus olhos). 

O Batman de Nolan é um herói e um anti-herói. O diretor afirma, em alguma medida, que só os loucos são heróis, porque o resto de nós tem muito a perder com isso. E seu último filme consegue tatear os caminhos dessas perdas, sua única falha é não apresentar as perdas do Batman ou de seu alter-ego social Bruce Wayne.

quarta-feira, 25 de julho de 2012

Narrar a(a) liberdade


A maneira como uma história se constrói - seja ela oral ou escrita, sacra ou profana, erudita ou vernácula, psicológica ou factual - deve ter por base tornar o outro, eu. Aproximar um ser humano (autor ou personagem) a todos os seus leitores. Talvez por isso possamos afirmar que: a narrativa é um exercício da potência humana.

Uma história nunca é simplesmente serva de si mesma, sempre convergindo a um panorama maior, um problema constatado pelo autor e trabalhado por suas personagens. Mas não só em literatura que a narrativa interfere em nossas vidas. A narrativa não é uma ciência literária, ela é cotidiana. Nossas vidas são, em ultima análise, narrativas construídas por cada indivíduo.

O RPG parece condensar o outro no eu, o alter no ego. Interessante que sempre um está cônscio do outro, o personagem se sabe personagem e o jogador se entende apartado daquele mundo que habita apenas enquanto imaginação. É por isso que muitos jogadores especializam-se em dominar sistemas para com as regras dadas, em “roubar” toda vantagem que o narrador lhe permitir tomar para si. Talvez por isso todos os bons mestres-de-mesa que conheço se apegam muitopoucoquasenada ao sistema, utilizando-o apenas para contar uma história. Esses mestres tem uma história para contar e, ainda assim, não se apegam a ela ao narrar uma campanha, dando assim aos jogadores a chance de interferir e modificá-la profundamente. O pessoal do Vila do RPG, parece se interessar em dividir dicas sobre essas possibilidades.

O mundo deve mudar a partir das ações dos jogadores. É nesse ponto que o RPG difere de qualquer outra narrativa que não seja a da própria vida: toda história contada tem em si um ponto, um argumento [talvez até uma moral] para alcançar e, para isso, ela deve passar por alguns caminhos pré-determinados por seu autor. Todas menos as histórias contadas em um jogo de RPG. Os jogadores sempre podem escolher não se relacionar diretamente com a história que o mestre quer contar. O grupo [unido ou não] pode escolher simplesmente fazer outra coisa. É ai que surge aquilo que diferencia um bom narrador de um outro que ainda tem um caminho a seguir.

O bom contador de historias entende que toda ação atua e modifica o mundo. Sendo assim, independentemente de os jogadores relacionarem-se ou não com aqueles eventos, os caminhos assumidos pelo grupo receberão a influência dos fatos da história que o narrador pretendia contar. Em outras palavras: a história original a ser contada deve então tornar-se pano de fundo para as ações dos jogadores que em algum momento irão interagir com os eventos ou com a cadeia de eventos originada a partir deles. 

O RPG é a vida [cheia de liberdades e consequências], mas por habitar nossas imaginações e não nossos cotidianos permite às personagens colocarem-se em maiores riscos ou não sem maiores pesos nas consequências assumidas. Este blog vem, a cerca de um mês, discutindo o ato de aprender a partir de suportes inesperados. O Thiago falando de suas experiências e dos caminhos possíveis por ele pensados/experimentados; o Daniel falando de cognição e dos caminhos educativos entre jogos e aulas; e eu comentando sobre as narrativas diárias e ideais, da noção de história que é construída diariamente por cada um. Porém nosso interesse, enquanto grupo, é maior em desnudar a linguagem que as narrativas diárias que construímos e das histórias [e jogos que nos propomos a contar/jogar] para aqueles que com elas se relacionam.

Ainda nessa semana, em uma conversa sobre as experiências proporcionadas pelo Interpretar e aprender, um crítico amigo me inquiriu: “Mas vocês promovem uma seção de discussão sobre os conteúdos trabalhados? Desvelando mesmo essas camadas de ‘ludicidade’ que aproximam o aluno dos conteúdos”. De pronto eu respondi simplesmente que não. A seguir comecei a pensar a respeito: será mesmo necessária essa postura tão explicita? Até onde eu sei a graça da literatura, cientifica e ficcional, por vezes está na dubiedade de não se saber exatamente onde estão os referenciais [teóricos, éticos e lingüisticos] assumidos pelo autor. Aquele gostinho de quero mais que te faz ler e reler aquele texto, parágrafo, palavra para, a cada nova leitura, descobrir mais e mais possibilidades de interpretação. Ora se o professor vem trabalhando os conteúdos que nós aplicamos em nossa aula-jogo e se ele continuará a aplicar conteúdos que se relacionam com nossas propostas, porque então fazer uma rodada de discussão para "assentar o conhecimento" como esperamos que ele seja entendido? Por que não deixá-lo enquanto semente que pode ou não se desdobrar em curiosidade?

A linguagem cerceia e domina o mundo. Nossas narrativas imaginárias dão conta de mostrar para o aluno que ele esta preso a linguagem narrativa tanto quanto ele se permite prender. Por isso penso que não é interessante uma rodada de discussão garantindo determinada recepção de conteúdos. Transformemos a escola em um espaço de domínio de determinados conteúdos e de expansão de outros. Tornemo-nos também problematizadores daquilo que acreditamos enquanto projeto deixando espaço para que o outro, o alter, o aluno também construir noções e definições que, mais tarde, irão reverberar no mundo e, consequentemente, em nós mesmos. Não é essa a escola que queremos?

Humor pode ser sério

O boom de comediantes que a internet proporcionou, e o crescimento do Stand-up comedy no Brasil, sempre importando cultura dos EUA, também atingiu o mundo de gamers e nerds assumidos. (Sim! Nós do Interpretar e Aprender temos orgulhos em sermos nerds!). O matemárico e comediante Marcos Castro, - clique aqui para visitar seu canal no youtube - partiu do universo dos games, e da cultura nerd para fazer humor. Em seu canal do youtube há várias seções, o ápice são as paródias envolvendo games.


As cantadas nerds são outro ponto alto (algumas são até difíceis de entender).




Os novos papéis das diversas mídias são amplamente discutidos por especialistas da educação, existindo até   especializações no tema. A produção de vídeos pelos alunos não é novidade. Nos finais da década de 90 eu mesmo, como aluno, tive uma experiência neste sentido, ainda com câmeras antigas. Hoje, as novas tecnologias permitem novas experiências, e é dever do professor incentivar a utilização de novas linguagens, mais próximas aos alunos, como o humor, por exemplo. O humor é essencialmente sério e pode ser utilizado  de muitas maneiras na escola moderna. Nos manuais de história e literatura é comum vermos charges, normalmente críticas políticas, econômicas e sociais. Por que não propor aos alunos que produzam humor para pensar sua realidade?

sexta-feira, 20 de julho de 2012

As quests nossas de cada dia

   Há alguns anos, a designer de jogos Jane McGonigal desenvolveu um jogo chamado SuperBetter, ou, em tradução livre, SuperMelhor. Sua premissa, apesar de audaciosa, é simples: utilizar-se dos sistemas de recompensa dos jogos para tornar a vida do usuário mais saudável. Diferentemente do Wii, contudo, ele está menos voltado para os exercícios físicos e mais voltado para estímulos que desenvolvam a força de vontade de quem o joga.
  
 O jogo não foi, contudo, projetado inicialmente para ninguém senão para sua própria criadora. Depois de sofrer uma grave concussão em um acidente de carro, McGonigal passou a experimentar episódios de depressão e a se sentir tentada a acabar com sua própria vida. Para lidar com o momento difícil em que vivia, criou um conjunto de metas a serem atingidas através do cumprimento de sequências de tarefas. Estas atividades deram a McGonigal estímulos positivos que acabaram por melhorar sua qualidade de vida.


    Um misto de auto-ajuda e jogo, o SuperBetter propõe quests (as tarefas, claro), cuja complexidade aumenta conforme se avança, na busca por uma epic win (o cumprimento das metas estabelecidas) fazendo uso de uma linguagem e estética típicas da cultura gamer. A curiosidade por saber qual será a próxima tarefa, o estímulo positivo de se conquistar pontos por realizá-las, estas são algumas das ferramentas do mundo dos jogos que pautaram o desenvolvimento do jogo. Baseado em novas pesquisas que buscaram entender melhor as interações psicológicas envolvendo os jogos, o SuperBetter tem ajudado pessoas a lidar com problemas que vão da depressão à obesidade.

   O site do jogo é bastante interessante, possuindo uma identidade visual agradável e estimulante. Seus textos são bastante claros e permitem que seus usuários entendam a justificativa por trás da utilização de cada um dos itens que constituem o jogo. Durante meu pequeno período de férias, eu joguei por uma semana (até acabar uma sequência de quests) e experimentei o poder do condicionamento comportamental por mim mesmo, o que me levou a algumas reflexões.

***

   Meses atrás, eu vinha lecionando para um menino que apresentava sérios problemas de concentração e de disciplina durante nossas aulas particulares. Como apresentava dificuldades em História, pensei em utilizar uma das aulas para tentar fazê-lo imaginar como era viver no período estudado, utilizando-me, naturalmente, do RPG. Fiquei muito receoso de fazê-lo, naturalmente, uma vez que não sabia se meus coordenadores concordariam com a ideia ou se a mãe do aluno não acabaria reclamando, por ver o jogo como uma perda de tempo.

   Um belo dia, tomei coragem e experimentei o jogo com o menino. Àquela altura, nossa relação já não era das melhores, mas, ao menos durante aquela aula, ele me pareceu muitas vezes mais interessado em entender o que se passava no universo do jogo do que em qualquer outra aula sobre o mesmo tempo. O aluno comentou com a mãe, que, previsivelmente, reclamou com meu coordenador que aquilo não havia sido uma aula, mas uma brincadeira. Apesar de meu coordenador não ter achado a ideia ruim, não repeti o jogo com o menino, nossa relação não melhorou e seu desinteresse se manteve até o término do ano letivo e de nossas aulas.

   Algum tempo depois, me vi em uma situação parecida: um aluno inquieto e desconcentrado, com quem as aulas vinham se tornando cada vez mais cansativas, mas que possuia uma ótima relação comigo. Em um momento de impaciência, transformei uma sequência de exercícios em monstros e armadilhas de uma masmorra pela qual o personagem dele tinha que passar. Cada exercício lhe garantia pontos de experiência que poderiam ser trocados por habilidades que poderiam lhe ajudar em novos exercícios - mas nunca resolvê-los. O resultado desta aula foi bastante satisfatório e o desempenho dele na resolução das questões melhorou bastante.

   A coordenadora destas aulas adorou a ideia e me incentivou para utilizá-la novamente. Algumas semanas depois, preparei uma sequência de jogos, fiz com que ele me escrevesse uma redação, criei recompensas e punições dentro do universo do jogo e suas notas melhoraram sensivelmente. Se, com o primeiro aluno, o que fiz foi uma aventura para que ele 'experimentasse' o período histórico que estudávamos, buscando esconder o aspecto didático do jogo, com este aluno eu não fiz questão nenhuma de escondê-lo. Ele sabia que os jogos, ali, eram apenas uma roupagem diferente para os mesmos conteúdos e exercícios - e ele topou e gostou da ideia.

    Alunos diferentes reagem diferentemente a estímulos iguais e alguns são mais predispostos a se envolverem com jogos do que outros e nem todos gostam deste tipo de jogos, claro, tudo depende de como foram acostumados. O que não se modificou nestas duas experiências, contudo, foi o maior envolvimento de ambos com os conteúdos escolares, a partir do momento em que houve uma preocupação em torná-los mais interessantes e aproximá-los do universo cognitivo e emocional dos alunos.

***

   Pensando nas quests que o SuperBetter apresenta (que podem ir de contar de 100 a 0, de trás para frente, de sete em sete números e dar uma volta no quarteirão a conhecer uma pessoa nova ou ir para um lugar onde nunca se foi antes) e nas aulas com jogos, assim como em alguns amigos pessoais de minha terra natal, notei que, por vezes, traduzir algumas tarefas ou exercícios para a linguagem dos jogos é tudo o que se necessita para levar alguém a se entusiasmar em realizá-las.

  Levemos em consideração jogos como os MMORPGs: muitos deles pedem coisas simples, repetitivas e redundantes, como recolher um certo número de itens em um mapa com monstros. Você recolhe os itens, mata alguns monstros e ganha, com isso, mais pontos de experiência, que tornam seu personagem mais poderoso e permite que enfrente mais novos monstros em novos mapas, e, terminada cada tarefa, o jogo apresenta outra tarefa muitas vezes similar. Este modelo de jogo cíclico, bastante simples, possui milhões de adeptos por todo o mundo e tudo o que muda entre eles é a roupagem, a estética, a 'perfumaria', mas a essência é a mesma, burocrática.

  Nos jogos, importa menos a tarefa a ser feita do que o faz-de-contas, a fantasia. Por exemplo, eu nunca gostei muito de quebra-cabeças quando eu era criança, mas amava o jogo Tomb Raider, a despeito de ele ser 80% puzzles, 10% ação e 10% andar de um para outro. Conheço quem deteste ler, mas que sabe tudo sobre os universos ficcionais de certos jogos; quem não tenha grande pendor artístico, mas que gosta de se fingir bom no Cidade-Dorme (ou Máfia, depende do lugar); quem não goste de fazer contas, mas que não vê problemas em gastar horas montando uma ficha de Dungeons & Dragons.

 Lara Croft, a arqueóloga.

   Os jogos tornam interessantes, portanto, tarefas que outrora pareceriam ordinárias ou sem fundamento (chutar uma bola em uma rede sendo ajudado por aliados e atrapalhado por rivais) a partir do momento em que nos permitem participar de um novo universo, de uma narrativa com começo (receber as quests), meio (realizar as quests) e fim (receber a recompensa pela quest). Os jogos nos fazem agentes. Quando Jane McGonigal se viu vítima, encontrou em seu jogo uma saída para tornar sua vida mais sadia. Como com qualquer válvula de escape, os jogos podem deixar de ser saudáveis, também. Nem sempre os jogos são a escolha certa para uma aula, por exemplo. Mas, na medida certa, eles podem fazer a diferença entre o interesse e o desinteresse, entre o esforço e a procrastinação.

quinta-feira, 19 de julho de 2012

AmoraldaHistória

[Perdoem-me o tom confessional, mas como alguns mestres me ensinaram: algumas narrativas exigem o seu prelúdio incorporado em uma personagem.]

"Hélio era o lado de fora de uma luva, a ligação com o mundo externo. Eu, a parte de dentro. Nós dois existimos a partir do momento em que há uma mão que calce a luva." Lygia Clark, 1986

Ontem, entre os atos de se viver (pensar, estudar, conversar, jantar, dormir etc.) por duas vezes, em duas conversas sem relação entre si, eu fui questionado sobre a bondade nos tempos da internet. Eram discussões vãs, conversas cotidianas, que escondiam por trás de si uma inquietação que parece tomar toda uma geração. Gente jovem, ansiosa por viver e experimentar todo o potencial aberto diante de si, pessoas que podem muito e sabem que podem e que acreditam piamente que o mundo é e pode ser melhor do que aquilo que mostram os tele jornais fatalistas das 8h, 12h, 20h, 24h... Minha geração.

Nossos pais nos ensinaram bem, nossos professores cumpriram seus papéis e agora, sabemos, chegou a nossa hora de montar o mundo. Ainda que aos poucos. Minha geração parece não ter pressa em descobrir como fazer isso, o tempo é nosso maior aliado dentro dessa comunidade global interconectada.

[A história costuma mover-se em marchas e contra-marchas, caminhos que seguem e caminhos que voltam. Como um rio que ao se encontrar com o mar tenta invadi-lo e o mar, em retribuição, devolve-lhe as águas. Então, como não poderia deixar de ser, essa geração também tem em si membros que desejam a manutenção do status das coisas como lhes foram ensinadas. Estabilidade e instabilidade costumam caminhar juntas, nas revoluções a instabilidade parece sobrepor-se, em outros momentos a estabilidade. No fundo ambas caminham juntas todo o tempo.]

Pensar a bondade em um panorama tão complexo, onde todos os lados e caminhos devem ser pesados; onde a informação circula, mas o sentido por vezes não chega, acabou por me fazer perceber que eu não consigo definir o que isso quer dizer. Bondade... parece um termo muito vago. Como julgar dois lados de uma moeda desigual com apenas um olho? A ciência, a ética, a moral, a inteligência pareciam falhar na tentativa de racionalizar um conceito-resposta para a pergunta que me perseguia horas depois de minhas conversas acabarem: “O que seria bondade?”, “O que significa isso?”.

A mente inquieta não costuma parar de funcionar. O sono não chega; as conversas não se concentram; o peito travesso não deixa de palpitar, animado. Quando eu era menor, passava noites em claro me perguntando para onde “a gente” ia quando dormia ou sobre como os cachorros pensavam. Em tempo aprendi que passar minhas noites em claro não traziam respostas exatamente. Na verdade esses clarões traziam muito mais perguntas e preocupações que respostas. E os dias seguiam polvilhados por cansaço. Em algum momento de minha vida descobri a literatura e tive a sorte de ser muito bem orientado em minhas leituras. Foram textos exemplares que discutiam, cada um a sua maneira, a essência do que nos torna humanos.

A literatura me guiou por muito tempo em todos os assuntos que poderiam me interessar. Então veio a Universidade de São Paulo, os estudos constantes, os novos temas, os teóricos, a carreira, os sonhos, enfim: a vida seguiu e a literatura tornou-se parte dela, ainda que sem sua aura e força como em outro momento. Então eu me reuni com um professor, há pouco mais de três anos, e ele me perguntou: “O que você está lendo?”, “Libelo contra a arte moderna, de Salvador Dalí”, “Mas eu perguntei de literatura...”, “Bem, professor, o Dalí não é exatamente teoria.”, “Mas também não é literatura, isso é um manifesto. E não dos melhores.”. Sai dessa reunião transtornado. No caminho comprei Um estudo em vermelho e depois O mar, mais tarde Notas do subsolo. Desde então nunca parei de ler literatura ficcional junto da teoria. Algum autor, novo ou velho, divertido ou cabeçudo sempre existiu em minha vida daquele momento em diante.

Três anos depois alguém me pergunta sobre a bondade e eu engasgo. Fico apreensivo, distraído, pensativo, tentando resolver um problema que não é meu. E toda minha formação acadêmica, todo método que a ciência me ensinou [que eu insisto em fingir para meus amigos cientistas que eu não acredito e não uso], não dão conta em me ajudar.

Sem respostas, sem sono, sem conseguir me concentrar, roubei: “se não consigo pensar, vou ler. Distrair-me-ei. Matar o tempo até minha mente se aquietar e eu dormir.” E nas páginas de Ulysses, encontrei alguém absolutamente integrado ao seu mundo, alguém que sente o mundo girando ao seu redor e ajuda o Atlas a carregar todo o peso do mundo. É só uma leitura, provavelmente ela é poética demais, possivelmente a mais imbecil que se possa fazer da obra de Joyce. Mas já é alguma coisa. Joyce acendeu uma luz, onde meu pensamento era tomado por trevas. Lembrei-me de Os Miseráveis em seu primeiro livro, Um justo, e toda a maldade do mundo neste universo.

Não estou montando essa narrativa para falar sobre bondade. Ou sobre minhas conclusões. Elas são minhas, assim como são minhas as leituras que fiz[1]. Estou escrevendo esse texto para apontar que uma boa história, um texto bem narrado sempre pode trazer respostas inesperadas. Certamente isso pode estar na literatura ficcional ou cientifica. Meu exemplo, minha história me levou a encontrar mais respostas sobre a condição humana na literatura ficcional, mas sei que autores como Marc Bloch ou Fernand Braudel foram tão importantes quanto Victor Hugo ou James Joyce na formação de meu pensamento.

Uma boa história condensa em si elementos da vida cotidiana, do momento histórico em que ela se passa, do conhecimento cientifico que é tomado como importante naquele momento, daquilo que nunca muda e daquilo que já mudou entre os homens. Nossas reuniões do Interpretar e Aprender me ensinaram muito sobre narrativas, assim como todo o resto de minha vida também me ensinou, mas o que estamos construindo com esse projeto me parece ser exatamente o que apontaram esses outros homens que formaram e construíram a nossa visão do passado. Queremos que todos os alunos com que tivemos, temos e teremos contato consigam entender que a história não é dada, ela é construída conjuntamente. Num projeto de mundo que toma todo o mundo. Qualquer história é assim.

Queremos que eles, os aprendizes/o futuro, possam construir qualquer história em sua vida. E que entendam suas vidas como elementos importantes dessa construção. Jorge Luis Borges conta de um rei no oriente que pretende fazer um mapa de proporção 1:1[2]. Um mapa que tem o mesmo tamanho do país mapeado; um mapa, uma representação da realidade, que se cola e se sobrepõe perfeitamente ao real. Borges não está falando do mapa. Ele está falando da percepção humana, que necessariamente lê e dá sentido ao mundo. Mas se o esforço for conjunto, se o esforço for coletivo então podemos criar um denominador comum que molda e constrói o mundo e a realidade, com tanta facilidade quanto construímos nossas histórias pessoais ou as histórias de nossos personagens, que lidam com um mundo imaginário que é outro e o mesmo que o nosso. Um projeto pretensioso, mas que se embasa na simples ideia de que qualquer pessoa pode fazê-lo desde que compreenda como e para que isso deve acontecer.


[1]. Por isso inclusive evitei comentar autores, mas se algum dos títulos citados lhe pareceu interessante: você conseguirá encontrá-los em qualquer livraria ou biblioteca perto de sua casa.
[2]. Do rigor na ciência. In: Jorge Luis Borges. História Universal da Infâmia. Editora Globo: Rio de Janeiro, 1935.

terça-feira, 17 de julho de 2012

Devir

Desde 1993 acontecia, em São Paulo, o Encontro Internacional de RPG. Bancado pela editora especializada Devir, o encontro era de suma importância para a comunidade paulista de jogadores Infelizmente, a Devir mudou sua  postura quanto ao RPG, deixando de incentivar tais eventos desde 2007.  Tais encontros apresentavam o RPG para iniciantes de uma maneira lúdica pois utilizavam narradores especializados, e colocava em contato jogadores mais experientes, quase sempre acrescentando relações benéficas para grupos inteiros que já jogavam constantemente. Em 2005 compareci ao Mart Center, na zona norte de São Paulo, sem muitas pretensões. Era a segunda vez que ia ao encontro. Deste vez, porém, não sabia que mudaria minha vida. 

O evento corria como sempre, muitas mesas de RPG de mesa, cardgames e jogos de tabuleiro, muitos cosplays (pessoas que se vestem como personagens de filmes, desenhos animados, quadrinhos etc), muitas novidades, seja de editoras grandes como a Devir, seja autores independentes, e algumas palestras (nem sempre interessantes, como eu achava). Naquele evento, entretanto, havia uma palestra voltada ao uso do RPG na educação. Era meu primeiro contato com este vínculo que tanto viria a estudar. A professora contava sua experiência com a criação de personagens para RPG com os alunos e quão rica era essa experiência.

Outro evento que perdeu força sem a participação da editora até seu fim prematuro foi o simpósio de RPG e Educação. Pelo menos os Anais do I Simpósio de RPG e Educação está disponível em lojas especializadas como a Moonshadows, e com sorte pode ser encontrado em grandes livrarias.

A Devir, no entanto, continua sendo a mais importante editora brasileira especializada em RPG e quadrinhos, traduzindo grande parte dos livros de RPG mais conhecidos. E mesmo sem investir em grandes eventos continua incentivando a prática do RPG apoiando iniciativas como esta:



Junto à Devir, agora existe a loja especializada Terramédia, sempre promovendo mesas de RPG e campeonatos de Magic: The Gathering, e torneios de miniaturas. Para acompanhar o que acontece, siga-as no twitter, @DEVIR_LIVRARIA, e @lojaterramedia

quinta-feira, 12 de julho de 2012

Game Diablo 3 vira prova de admissão em empresa


Não basta saber outro idioma, ter feito cursos de pós-gradução, ter estudado fora do país e fazer trabalho voluntário. As empresas estão pedindo cada vez mais requisitos.
Uma agência de publicidade de Israel vai contratar um programador com base no seu desempenho no game Diablo 3.
Quem estiver interessado na vaga, deve jogar o game às quartas, às 20h, junto com o CEO da empresa. Se você mandar bem, bingo, é contratado.


Fonte: http://tablog.blogosfera.uol.com.br/2012/07/game-diablo-3-vira-prova-de-admissao-em-empresa-uol-traz-apostila/

quarta-feira, 11 de julho de 2012

Ciclo do ouro no Emilie de Villeneuve

Nossa primeira experiência como grupo aconteceu no colégio Emilie de Villeneuve na zona sul de São Paulo. A então professora do 5º ano do fundamental, amiga minha do ensino médio, Lica, sabia que eu trabalhava com RPG e educação, gostava da ideia e me pediu para mandar um projeto para a feira do livro do colégio. Eu já havia aplicado uma atividade com o 7º ano no colégio onde trabalho, e resolvi aceitar o desafio de mestrar para crianças do 5º ano. Mas o problema logo se apresentou: eram 80 crianças! Claro que não conseguiria fazê-lo sozinho. Contatei, então, meus camaradas de faculdade, Daniel, que já trabalhava com alguns aspectos do RPG em suas aulas particulares, e o melhor narrador com quem já joguei e Paulo, sempre épico, pois já conversávamos sobre algo nesta direção.

O conteúdo trabalhado, a pedido da Lica, seria o Ciclo do ouro de Minas Gerais. Como tínhamos apenas um dia para jogar com 80 crianças, resolvemos levar os personagens já criados, pois mesmo que a criação de personagens seja uma das etapas mais ricas neste tipo de aprendizado, ela demanda muito tempo. Dividimos o grupo em quatro momentos de 2,5 horas para a aventura, entre os três membros do grupo, ficando, em média, 7 jogadores para cada narrador.


Como prender a atenção de alunos de dez anos, era nossa principal preocupação. A escolha foi o mistério; inspirados por uma aventura do professor Leandro Villela (clique aqui para acessar o blog dele). Houve um assassinato na vila onde moravam e os personagens deviam investigar, alguns por dinheiro, pois a recompensa era farta, alguns por vingança, já que possuíam relações com o escravo assassinado. Ao investigar o crime, os alunos deviam passar por várias partes da pequena cidade fictícia, mas verossímil,  mineira, compreendendo a estruturação política, econômica e social da época. Mesmo com comentários dos alunos, de uma turma para outra, o mistério se manteve, pois o plot criado por nós era maleável e com alguns finais possíveis, dependendo, também, do caminho que os personagens tomassem.


O resultado não poderia ser melhor. Esta aventura não foi diferente das outras que aplicamos: a primeira  pergunta dos alunos é "Quando vamos jogar de novo?!" O retorno das professoras também foi ótimo, os alunos se interessaram pela matéria e se divertiram ao mesmo tempo. 


Assim nascia o grupo "Interpretar e Aprender".

terça-feira, 10 de julho de 2012

O hábito de se pensar em um jogo...

O que te move? Qual o propósito que você procura dar à vida? Aprender? Ter coisas? Dançar? Falar? Ter prazer? A vida por vezes parece um jogo de xadrez, cada dia uma jogada. Algumas jogadas formam um caminho para se alcançar um objetivo, outras são maneiras de despistar jogadas mais elaboradas, outras ainda são simplesmente movimentos desavisados.

Fazer de um jogo de xadrez enquanto uma metáfora para a vida não é uma metáfora desavisada. Não nesse espaço, pelo menos. Até agora estivemos discutindo sobre como o jogo pode ser interessante para o desenvolvimento de nossas relações sociais; como  um jogo pode ser importante na construção cognitiva que irá reger processos mentais ao longo da vida, em jovens aprendizes, ou ainda como  essa potencialidade pode desbastar campos ainda desconhecidos nas mentes mais velhas. O interesse em associar jogos ao desenvolvimento cognitivo nasce pelo fato de que o jogo sempre esconde uma motriz [oculta] que deve ser dominada instintiva ou racionalmente para promover a vitória de um jogador ou de um grupo de jogadores. O xadrez, por exemplo, é um jogo de tabuleiro que baseia-se em uma série de princípios matemáticos para limitar os movimentos das peças num propósito de derrubar o rei inimigo.

Não apenas a matemática se esconde sob o tabuleiro de xadrez. Se a próxima jogada está sempre relacionada as estatísticas e probabilidades de jogo que mais facilmente levarão este ou aquele jogador a derrubar o rei inimigo, há também que se cogitar a importância de conhecer seu adversário. Não por acaso o enxadrista Garry Kasparov tornou-se lendário. Suas estratégias além de serem absolutamente calculadas, por vezes criavam "iscas" de onde sairiam jogadas igualmente perigosas a estratégia identificada pelo adversário. Querendo dizer: Kasparov, ao perceber que seu adversário havia notado os caminhos que ele seguiria para derrubar o rei, iniciava, a partir de uma "isca", uma nova estratégia, que seria percebida enquanto tal apenas 2 ou 3 jogadas depois de iniciada.

No xadrez, perceber o que está acontecendo no tabuleiro é essencial para se alcançar seu objetivo, assim como na vida. Existem muitas maneiras de se jogar xadrez e muitos níveis para se treinar, porém o importante e essencial em um bom enxadrista é sempre estar ciente dos caminhos assumidos por seu adversário. O hábito de jogar xadrez torna-se importante a seus jogadores não apenas enquanto raciocínio matemático, mas também como um hábito mental de notação do ambiente e daquilo que dito, expressa o não dito. No jogo o exemplo é claro: mover um peão dificilmente é decidido apenas para ganhar campo com aquela peça, um enxadrista sabe que mover um peão é também abrir campo para o movimento de um bispo, ou ainda garantir que no próximo movimento de seu cavalo a peça estará automaticamente protegida ao alcançar seu destino.


O RPG aprendeu muito com  esse antiquíssimo jogo de estratégia. Nas histórias narradas o pano de fundo costuma se explicitar de maneira muito pouco clara. Ainda que o bom jogador, interessado em manter seu personagem em vantagem, sempre irá se utilizar de qualquer detalhe que puder para entender o mundo e os perigos que o cercam.

segunda-feira, 9 de julho de 2012

Jogos eletrônicos e o futuro da educação



   Há alguns dias, o 9gag publicou esta imagem - não consegui publicá-la de forma legível, mas, para lê-la basta clicar nela. O texto, em inglês, descreve uma série de benefícios e possibilidades de ajuda que os jogos podem trazer a seus usuários, focando-se, basicamente, em jogos virtuais. Entre elas, trata do uso terapêutico, de treinamentos profissionais que utilizam jogos e de boas qualidades que jogos podem trazer. O livro que citei em meu último post, Brincando de Matar Monstros, além do post do Thiago, também faz uma defesa de jogos e de seus benefícios.

  Acho que, mais do que serem defendidos, entretanto, os jogos necessitam ser melhor entendidos e utilizados. Tendo em vista o post que o Paulo publicou, os jogos têm modificado os meios de percepção de seus usuários, em especial dos mais jovens. E como o modelo escolar brasileiro tem se modificado para levar em consideração estas mudanças pelas quais vêm passando os estudantes?

  Pelos programas que observamos nas universidades e nos manuais e cursos concedidos pelo Estado, os jogos são esquecidos e relegados a um plano quase que inexistente. Em um país como o Brasil, em que a classe média vem crescendo e o acesso a computadores idem, o mercado de jogos tem sido visto com novos olhares de esperança pelas desenvolvedoras de jogos. Depois de duas décadas fora dos mapas destas produtoras, o Brasil não mais se destaca somente pelo volume de material pirata, mas, também, pelo potencial de consumo de seus cidadãos. A Ubisoft, por exemplo, chegou até mesmo a abrir um escritório em São Paulo e a Rockstar fez da capital paulista o cenário de seu último sucesso, Max Payne 3. A tendência é que este mercado se solidifique e que os jogos de videogame façam cada vez mais parte da formação lúdica dos brasileiros.

   Os jogos de tabuleiro e jogos de interação social, bem como jogos de cartas e mesmo os jogos de azar (ilegais no país), além dos jogos esportivos, já possuem um lugar fixo entre as atividades diárias de grande parte das pessoas de nosso país, claro, mas é difícil dizer que haja uma forma mais imersiva de se jogar um jogo do que se transpor para um outro universo - e os jogos eletrônicos são capazes de fazer isso com extrema competência e facilidade.

   Um dos problemas com isso é que estes jogos acabam por substituir a imaginação de seus jogadores, como Paulo havia comentado, permitindo aos jogadores que interajam com um número de escolhas e possibilidades limitados pelos programadores dos jogos. O RPG de mesa, diferente dos RPGs eletrônicos, contudo, parece-me ser uma ferramenta bastante adequada para criar uma linguagem comum entre esta geração de gamers e os conteúdos escolares, mas com uma série de ganhos sobre jogos eletrônicos - mesmo aqueles criados com o intuito de educar. Uma vez que os limites das possibilidades dentro de um universo imaginário cunhado pelo Mestre e elaborado em conjunto com os jogadores depende apenas do tamanho da imaginação de cada um dos envolvidos, o RPG de mesa é uma ferramenta muito mais maleável e fluida do que os jogos eletrônicos.

   Tendo em vista o aumento da quantidade de jogadores de videogame, portanto, é importante que comecemos a pensar em mecanismos de adaptação e adequação das novas realidades cognitivas que vêm se desenvolvendo no interior do corpo estudantil. Jogos eletrônicos com elementos que podem ser utilizados educacionalmente, como a série Assassin's Creed, que permite que você explore áreas de períodos históricos recriadas digitalmente, serão importantes ferramentas a serem analisadas pelos educadores mais atentos aos novos rumos da educação. O RPG, contudo, não só permanece incomparável em sua flexibilidade, como pode favorecer na produção de um ambiente comum entre estudantes aficcionados por jogos eletrônicos e seus professores.

quarta-feira, 4 de julho de 2012

Uma breve confissão, ou "o que aprendi jogando"


O primeiro MMO que joguei chamava-se Ultima Online. 


Naquele tempo ainda estudava na ETEGV, em São Paulo, e tive minha primeira experiência de greve. Os professores reivindicavam ajuste salarial e os alunos marcharam com eles da ETESP, na Luz, até a assembleia legislativa, no Ibirapuera. O resto dos dias, eu joguei Ultima Online, ou UO para os mais íntimos. Pode-se até criticar todas as horas jogando, ao invés de estar com os amigos e discutir a situação dos professores, mas eu os encontrava todo dia, na cidade de Minoc. Como o próprio nome já revela, MMO, ou Massive Multiplayer Online games, são jogos de colaboração. O UO se destacava, também, pela competição, pois as batalhas podiam ser travadas por guildas inimigas, além de derrotar os monstros que assolavam o mundo de Brittania, mas a colaboração reinava. 

Jogadores reunidos em uma festa - Ultima Online

É justamente essa característica que faz do MMO um jogo extraordinário. Nunca me esquecerei o dia em que, na mina perto de Minoc, um outro personagem passou com algumas vacas, e conversou comigo com sotaque de caipira. Claro que a conversa se deu por escrito, naquela época eram raros os jogos que permitiam a conversa por áudio, diferente de hoje em dia. O objetivo daquele jogador era inteiramente a interpretação de seu personagem naquele mundo, no caso, um fazendeiro, deixando de lado as batalhas e a busca por itens melhores e ouro que são característicos da maioria dos jogos de RPG. Em seu mestrado, Leonardo Xavier de Lima e Silva explora a cognição do jogador de MMORPG, no caso, o renomado World of Warcraft, e do jogador de RPG de mesa, no caso, o também renomado Dungeons & Dragons. Enquanto entre os jogadores de mesa, a maior motivação é a interpretação (ou como o autor chama, roleplay), entre os jogadores do jogo eletrônico é o trabalho em equipe. Isso se deve ao fato de que no jogo de mesa, a presença de todos é concreta, não virtual, tornando a interpretação o fator mais importante. Mas ambas as características são importante e se complementam, a partir do momento que a interpretação só se dá em grupo.

Tais RPG´s ultrapassam a busca da melhoria do personagem. Nele, você pode escolher ser simplesmente um ferreiro, um joalheiro, e emular uma vida que não é possível ser vivida. As habilidades do UO eram muitas, e, claro, não era possível um personagem habilidoso em todas as áreas. E essa diferença para os jogos eletrônicos tradicionais é essencial, um jogo de tiro depende unicamente da sua habilidade com o controle, assim como jogos de esporte, ou de aventura como God of War (mesmo que neste você possa escolher algumas habilidades para se sobressair). No RPG, depende apenas das escolhas do jogador na construção prévia, e mesmo durante o jogo, de seu personagem. 

Tabela de habilidades - Ultima Online

O MMO tem por característica, também, a necessária construção de estratégias. Seja de combate, seja para ganhar tempo para ir a algum lugar, seja para organizar seu inventário. Um jogo que precisei aprender a me organizar é Diablo II, da produtora Blizzard. Nunca havia lugares para os itens conquistados no jogo, pois os tamanhos eram diferentes.

Inventário - Diablo 2

Na E3, feira de jogos eletrônicos mais importante, o prêmio de melhor expansão foi para o game "Lord of the Rings Online: Riders of Rohan", revelando a importância deste tipo de jogo. Veja o trailer da expansão:


O jogo se passa na terra-média, a terra criada por J.R.R. Tolkien, em seu épico "O senhor dos Anéis". Ao criar seu personagem, o tutorial é comandado por Aragorn, herdeiro do trono de Gondor. A história vivida pelo jogador não é a mesma do livro, mas o jogador sente-se parte por ter de ajudar a sociedade do anel com outras missões que não destruir o anel. Os gráficos não são os mais avançados se compararmos a consoles como Playstation3, da sony, ou o Xbox, da microsoft, mas as paisagens são dignas de aulas de geografia. 




Os mapas, tão importantes para Tolkien, foram muito bem estudados e trabalhados pelos game-designers que também é possível uma aula de cartografia. 


"Tendo em vista as necessidades educacionais do Século XXI, as quais envolvem adquirir um senso de agência, abordar situações-problema com flexibilidade, participar de comunidades de prática em ambientes multiculturais, usar múltiplas e distintas perspectivas de acordo com a utilidade e produzir inovações, os MMORPGs podem ser a ajuda inestimável para professores e alunos, propositalmente obscurecendo a fronteira entre trabalho e lazer." (LIMA E SILVA, 2008)

Referências:
LIMA E SILVA, L. X. de. Processos Cognitivos em Jogos de Role-playing : World of Warcraft vs . Dungeons & Dragons. 2008. Dissertação.
As demais referências estão em forma de link no próprio texto.


terça-feira, 3 de julho de 2012

Como você usa seu tempo?

Talvez o tempo como o entendemos seja a mais influente das invenções humanas. O tempo nada mais é do que uma ferramenta que usamos para perceber a nossa mudança, do espaço físico e mental. No entanto uma geração sempre compreendeu o tempo de maneira diferente do que a geração anterior. Nos dias de hoje, no entanto, vemos uma tal diferenciação nas maneiras de ser relacionar com o tempo que cada um de nós tem para si que, o relacionamento entre três gerações (avós, pais e filhos) torna-se complexo. Não é a toa que a expressão "no tempo dos meus avós" é usada de maneira tão diversa entre essas três maturidades.
Esse vídeo comenta essa relação de maneira bem didática.



O que o vídeo não fala, mas que nós da equipe Interpretar e Aprender propomos enquanto reflexão, é de como a relação entre os jovens e os jogos nem sempre criam circunstâncias de isolamento social. A virtualização das relações sociais hoje é um dado concreto. Estamos diante de pelo menos duas gerações que desdobram importante parte de suas relações sociais em meios virtuais e que se utilizam da internet regularmente para realizar trocas e conversas. Não só isso, mas os jogos virtuais atualmente desenhados para um modo multiplayer também aceleram esse tipo de interação. Pessoas se conhecem e criam laços todos os dias nesses novos espaços ainda pouco pensados mas muito trabalhados pelas e para as gerações mais novas.

A interação humana, cada vez mais, passa também por campos virtuais e com ela devemos pensar caminhos e relações temporais novas sobre aquilo que estamos promovendo. Jogos são espaços em que as regras equlizam todos os participantes, independente de idade, sexo, credo ou orientação sexual, porém sua virtualidade não passa apenas por uma criação de computação grafica. O RPG, Role-Playing Game, também acontece em um espaço virtual, a imaginação dos jogadores. Sua principal diferença desses espaços informatizados se dá pela necessária interação social dentro e fora do jogo. Algo que alguns jogos conseguiram desenvolver parcialmente, os RPG On-line, também conhecidos como MMO - Massive Multi-player On-line role-playing games.

O que estamos propondo com nosso grupo é pensar esses espaços, na internet e em nossas experiencias, para conseguirmos construir a partir deles um espaço de trocas em todos os sentidos da vida, das experiências - frustantes ou agradáveis - aos conhecimentos técnicos que imperam na interpretação da leitura de um caderno de Ecônomia ou Cultura em qualquer jornal.