Existem pessoas que estão testando os limites do que conhecemos
como real. Na verdade eles estão por ai, caminhando pelas ruas, incógnitos.
Tomando cafés, almoçando e jantando em bares, restaurantes e padarias assim
como eu e você. São pessoas comuns que duvidam do que encontram e,
assim, constroem caminhos que poderiam levar o mundo como o conhecemos a ser
uma coisa completamente diversa do que ele é. Eles sempre caminharam entre nós,
sonhando com um mundo... diferente.
São políticos, intelectuais, artistas, marceneiros, cineastas e
mecânicos que estão constantemente pensando o mundo que os cerca e refletindo:
mas o que diabos está acontecendo ao meu redor? Por que é tão difícil separar o
que é do mundo natural e o que é uma construção do homem? Mais do que isso,
será que essa separação é tão clara e importante?
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A fotografia, desde o seu advento, é entendida como a reprodução
do real em um suporte. Quando vemos uma fotografia no jornal diário que chega às
nossas casas, ou, nesses tempos de internet, quando nos conectamos à rede e nos
deparamos, nos infinitos portais de informação que divulgam os acontecimentos
mundiais em tempo "real", com fotografias do mais recente dilúvio,
explosão ou carnificina: quase que instantaneamente pensamos que estamos diante
de um fato, não de uma imagem que foi pensada, construída e recortada de um
panorama.

Essa imagem foi retirada do portal da revista Época no dia vinte de
agosto desse ano. A imagem estava conjugada a notícia: "Embaixada do Brasil em Damasco é fechada por questões de
segurança". Perceba como a imagem insinua um dado. Associada à chamada
da noticia ela dá a entender que a embaixada brasileira foi atacada. Isso em
uma leitura superficial e absolutamente de impacto. Espera-se então que a
leitura da notícia separe a imagem de uma cidade "em chamas" da razão
real do fechamento da embaixada, ou, ao menos, espera-se que a situação seja propriamente
explicada. Porém não é isso o que encontramos. A notícia, em tom de desespero,
tende a dar uma situação muito problemática e aterradora.
Certamente que a situação era preocupante naquele momento em
Damasco. No entanto os veículos de notícia parecem retratá-la de tal forma a
continuamente manter os leitores em estado de vigília. Mesmo que a ação esteja
acontecendo a meio mundo de distância. Isso é feito com os textos, as imagens associadas fazem questão de aterrorizar e indicar uma leitura do mundo que, por vezes, mal se relaciona ao contexto em que a imagem foi captada. A gestalt estuda a leitura das imagens a partir do primeiro contato entre sujeito e representação, essas fotografias associadas a textos midiáticos acabam por se relacionar conosco nesse nível, quase inconsciente, em que a razão - criadora de narrativas e leituras - não consegue - a menos que muito treinada e atenta - desassociar imagem e texto em suas entrelinhas.
Note a construção dessa representação de Damasco: uma fotografia
panorâmica que dá conta da linha do horizonte da cidade. No centro da
fotografia, onde se concentram os prédios, e a direita nada interrompe a rotina
de uma manhã qualquer (o tipo de luminosidade me leva a inferir que esta foto
foi registrada em uma manhã). Mas a esquerda e ao fundo surgem nuvens negras
que avançam para a cidade, pacata e talvez alheia, aos acontecimentos
terríveis. Essa imagem é uma visão aterradora de uma onda de ataques que segue
em direção à população civil em suas casas e vidas.
Ela também poderia representar outras leituras. Mas ninguém se
dará ao trabalho de inventá-la. Já que é importante manter o leitor diário do
meu, seu, nosso jornal em vigília e assustado ao ponto de não poder distinguir
uma leitura de um dado do real. O que a imagem é ou poderia ser só se torna
relevante quando um repórter ou escritor resolver criar uma associação. Mas
essa associação só chegará aos leitores se um editor resolver publicá-la. Então
é a isso que reduzimos a realidade, uma escolha editorial?!
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A narrativa serve, em nossas vidas cotidianas, para relacionarmos
eventos e tornar a compreensão de um mundo tão complexo e faltoso de sentido em
uma instância habitável e minimamente palpável. Em certa medida é a criação de
uma realidade. Ainda assim é importante termos em mãos o conceito de que toda
narrativa é construída e deve-se ficar atento ao tipo de construção a que impera
enquanto real.
Veja-se, por exemplo, essa imagem que coloca o famoso assassino
Buba Fett diante de Lee Harvey Oswald [assassino do presidente norte-americano
J. F. Kennedy] minutos antes de seu assassinato:

Essa fotografia é mesmo uma reprodução do mundo real? Mais do que
isso: se invento um dado ele passa a existir? Mais ainda: se eu invento e sua
repercussão começa a interferir na realidade de muitas pessoas, ele deixa de
ser "imaginação"? O pessoal do blog E se Star Wars fosse real explora a capacidade que temos de
criar realidades e mundos a partir do nosso. Se o universo de Star Wars
existia, até há pouco, apenas como filmes e livros, o pessoal desse site começou a
criar intersecções com a história desse mundo [político e econômico] em que habitamos. O real foi posto em suspensão? Não,
ainda não chegamos a tal ponto. Como foi o famoso caso de Orson Welles lendo
no rádio o texto de "A guerra dos mundos" e desavisados alguns
habitantes da cidade entraram em pânico por medo dessa invasão eminente. Ainda
assim é de se pensar como a imaginação, essa potência que habita a cada um de
nós, consegue criar e fazer pequenas adições à realidade. Cada ser humano
divide um mundo com seus co-espécimes e ao mesmo tempo vivemos todos em nossos
mundinhos particulares e pessoais.
Valeria lembrar aqui Ortega y Gasset que nos diz que "O Homem
não tem natureza, tem História", para pensarmos a narrativa e a construção
do mundo?!