O grupo “Interpretar e Aprender” surgiu como ideia nos corredores da Universidade de São Paulo por três estudantes de História interessados em integrar diversão e aprendizagem. Apaixonados tanto por narrativas fantásticas quanto pelo ato de ensinar, estes amigos decidiram criar um grupo cujo intuito seria trabalhar, de forma prazerosa, os conteúdos escolares - e não haveria melhor maneira de fazê-lo do que utilizando o RPG, ou Role Playing Game.

quarta-feira, 6 de maio de 2015

Saindo da caixa

Nessas últimas duas semanas nosso grupo experimentou aquela estranha sensação de estar dando tudo certo. Encontramos diversas pessoas que podem tornar-se nossos parceiros ou colaboradores. Uma dessas pessoas é Alex Bretas, idealizador da Educação Fora da Caixa:

"A Educação Fora da Caixa é uma investigação sobre formas inovadoras de aprendizagem com foco em jovens e adultos. A escola acabou por assumir a posição de espaço educativo privilegiado, mas acredito que a aprendizagem ocorre em consonância com a vida - basta ter olhos de ver. Neste sentido, acredito que o público escolar deve buscar ser mais permeável ao que ocorre tanto do lado de fora de seus muros quanto dentro de cada criança e adolescente (suas curiosidades, necessidades e desejos que anseiam ser escutados). O projeto, bem como o Kit Educação Fora da Caixa - uma caixa de ferramentas educacionais inovadoras disponibilizada online - são convites expressos a este permitir-se."


Empolgados, corremos para conversar com ele e mergulharmos em seu projeto. Transformamos nosso interesse em interlocução em uma divertida entrevista feita ao longo de uma semana. Esperamos que a leitura seja tão agradável quanto foi criar esta ponte entre o Grupo Interpretar e Aprender e a Educação Fora da Caixa:

Grupo Interpretar & Aprender: O que chamou seu interesse para métodos pedagógicos alternativos?

Alex Bretas: Em primeiro lugar, minha biografia, que conta com vários casos em que me senti tolhido na escola, na universidade e no trabalho. A motivação para de fato começar um projeto na área de educação veio quando me mudei para São Paulo, no final de 2013, e conheci mais a fundo as escolas democráticas. Aí então vi que existiam alternativas mais humanas.

GI&A: Você já jogou RPG? Se sim, como foi sua experiência?

AB: Nunca tive uma experiência de RPG de mesa, mas adorava (ainda gosto, mas não tenho mais tanto tempo) jogar RPGs de ação no computador. Diablo, por exemplo, eu joguei por inúmeras horas... Era um prazer, embora o fator vício fosse uma preocupação às vezes. Tenho vários amigos que jogam RPG frequentemente e gostam demais. Quem sabe não esteja na hora de experimentar?

GI&A: Quais as experiências mais significativas vivenciadas por você ao longo de sua pesquisa?

AB: Tenho tido muitas experiências marcantes... Difícil pinçar somente algumas. No início do projeto, fiz uma campanha de financiamento coletivo para viabilizar a publicação do livro com os resultados da pesquisa. A experiência de fazer um pedido claro à sua rede por recursos financeiros foi algo muito significativo, especialmente numa cultura como a nossa em que dinheiro é tabu. A era da colaboração já está aí para que repensemos essas crenças. Quando fiz o primeiro Círculo de Doutorandos Informais, um workshop de um dia sobre aprendizagem livre, também me senti extremamente recompensado. Em termos de pesquisa, que foi o que você perguntou, comecei a estudar um filósofo austríaco, Paul Feyerabend, e escrevi uma carta a ele. Infelizmente não havia como receber uma resposta porque ele morreu há muitos anos. De todo jeito, o ato de escrever me dirigindo a ele foi muito forte porque a obra dele me impactou demais.

GI&A: Como funciona o processo do Círculo de Doutorandos Informais (CDI)?


AB: O CDI é um provocador de autonomia, um abre-alas de curiosidades. É um encontro de um dia inteiro em que as pessoas são convidadas a criar seus próprios processos de aprendizagem independente e em colaboração com os outros. Para mais informações, vejam estes dois textos sobre alguns CDIs que já aconteceram: CDI SP, CDI BH.


Alex (em pé) durante um CDI em Belo Horizonte

GI&A: Para você, qual o papel da criatividade no processo educativo? Dentre as ferramentas educacionais que você pesquisou, qual delas você consideraria como a mais criativa?

AB: A criatividade é a própria aprendizagem parindo! Não vejo possibilidade de uma estar dissociada da outra. Ensino, sim, pode estar separado da criatividade, aprender não, porque a aprendizagem parte da potência interna de cada um de nós. Acho que o que há de mais criativo é engajar crianças, jovens e adultos num processo de criar suas próprias ferramentas. Jogos, brincadeiras, métodos, técnicas, instrumentos, jeitos de fazer. Para citar uma, gosto muito do MDI - Maneiras Diferentes e Inovadoras - que o Tião Rocha criou no CPCD. Vai justamente neste sentido de estimular a criação...

GI&A: Há, em sua pesquisa, alguma ferramenta que utilize jogos de interpretação na educação?

AB: Como minha investigação é sobre aprendizagem num sentido amplo, não somente o que se dá em espaços formais de ensino, existem algumas ferramentas sim. O Teatro Social da Presença, um dos instrumentos da Teoria U de Otto Scharmer, é uma delas. O Teatro do Oprimido também é muito interessante, inclusive já atuei em algumas esquetes. Acredito que o recurso da interpretação é um aliado poderosíssimo da aprendizagem, mas para que essa parceria ocorra é necessário que a ferramenta não seja imposta ao educando. É preciso que surja dele ou que seja um convite para uma degustação. Isso, inclusive, é o que pra mim diferencia o aprender do ensinar. O ensino muitas vezes não convida nem escuta.

GI&A: Como a experiência de processos não impositivos funcionaria em uma escola tradicional em que basicamente tudo é imposto?

AB: Funcionaria em pequena escala, num primeiro momento. Quase tudo começa pequeno, e é bom que seja assim. Se numa escola um professor ousado consegue reunir mais dois que topam experimentar novos caminhos, isso já é o início de uma revolução. As ferramentas podem ser úteis como faíscas de um novo jeito de fazer. A partir daí, a comunidade escolar vai percebendo o valor das inovações e devagarzinho os processos se ampliam. Não é fácil, mas é possível.

GI&A: Qual a maior dificuldade encontrada pelos professores interessados em aplicar estas ferramentas nas instituições escolares ou em seus próprios processos educativos?

AB: A dificuldade é sistêmica. Ocorre pelo tipo de relação que se dá na maioria dos espaços institucionalizados, profundamente hierárquica. O professor ter uma boa ideia de uma nova ação pedagógica é interessante, porque mesmo isso atualmente é complicado por conta de sua rotina massacrante e das amarras institucionais - que se revelam tanto em escolas e universidades públicas quanto privadas. Mas, às crianças e jovens é preciso darmos voz de verdade, não só no nosso discurso. De que adianta ensinar a história da democracia sem perguntar se o aluno quer aprender democracia? É incoerente. Quais as ferramentas que surgem de quem aprende? Quais os interesses? Não se fazer essas perguntas acaba gerando o principal problema percebido pelos profissionais de educação atualmente: a falta de interesse e a desmotivação dos alunos.

GI&A: Como as ferramentas pesquisadas relacionam-se com as tradições pedagógicas brasileiras? Você as considera como rupturas na educação atual?

Várias ferramentas que tenho pesquisado, inclusive as relacionadas à interpretação, podem ser consideradas inovadoras frente ao que vem sendo feito tradicionalmente nas escolas. E isso não é algo restrito ao Brasil, visto que o modelo de educação fabril, impositivo e linear é uma praga global. Ainda assim, acredito que a principal ruptura que já está ocorrendo no campo da educação é a devolução aos educandos do direito de escolher. Escolher o que e como querem aprender, num processo facilitado pelo professor. É uma ruptura no nível de visão de mundo, bastante profunda, mas que não pode ser imposta, porque senão sofreria do mesmo mal do sistema atual. Todas as ferramentas que apostam nos desejos e necessidades dos educandos e no seu direito de manifestá-las são disruptivas, ao meu ver.

GI&A: Que materiais de referência você recomenda para quem busca implementar métodos pedagógicos diversificados?

AB: Queria indicar o Kit da Educação Fora da Caixa que estou montando. Toda semana escrevo sobre três ferramentas educacionais que considero inovadoras. Outra indicação é o site do Reevo, uma comunidade latino-americana sobre educação alternativa. Por fim, o livro que me inspirou a fundar o projeto é uma leitura excelente para quem deseja inaugurar novos caminhos na educação: chama-se Volta ao Mundo em 13 Escolas e está disponível para download na íntegra.


GI&A: O termo “ferramentas” dá um tom utilitário à educação ou aos educandos? Seu projeto vem para consertar algo que está quebrado?

AB: Interessante a pergunta! Não vejo a utilização da palavra "ferramenta" num sentido de oficina, de consertar algo não... Vejo no sentido de ser um instrumento que pode ser útil para se chegar a um lugar que, sem ele, seria muito mais difícil de alcançar. Um lugar de cooperação, de autonomia, de protagonismo e de sabedoria. Não acho que a educação deva ser utilitária, muito menos os educandos, mas acredito sim que uma ferramenta, tal como a estou entendendo, pode ser um portal que amplia nossa visão a respeito da aprendizagem por meio da ação. E o que eu mais gostaria escrevendo sobre as ferramentas é que as pessoas cocriassem a partir delas, experimentassem para além delas o que servir melhor a cada contexto, a cada realidade.

Agradecemos imensamente ao Alex pela simpatia e pela entrevista, e desejamos muito sucesso em seus projetos.


Alex Bretas é administrador público e especialista em pedagogia da cooperação e metodologias colaborativas

Um comentário:

  1. Muito boa ideia. A Educação precisa ser revista...
    Lembrei do conceito de "aprendizagem significativa" e também sempre é bom reafirmar a ideia da fenomenologia na educação, "ir às coisas mesmas", ou seja, o sentido do aprendizado reside na singularidade de cada SER, e para isso não pode faltar a criatividade!

    ResponderExcluir