O grupo “Interpretar e Aprender” surgiu como ideia nos corredores da Universidade de São Paulo por três estudantes de História interessados em integrar diversão e aprendizagem. Apaixonados tanto por narrativas fantásticas quanto pelo ato de ensinar, estes amigos decidiram criar um grupo cujo intuito seria trabalhar, de forma prazerosa, os conteúdos escolares - e não haveria melhor maneira de fazê-lo do que utilizando o RPG, ou Role Playing Game.

domingo, 20 de janeiro de 2013

Janelas Interdimensionais (Ou: Com que persona eu vou?)


"Posso ser um orc com sex appeal?"


Personagens são, antes de mais nada, interfaces através das quais os jogadores se relacionam com os mundos criados pelos Mestres de Jogo. São ferramentas criativas que possuem como propósito expressarem as vontades dos jogadores dentro de universos imaginários. Não por acaso, a principal pergunta do narrador, depois de descrever uma cena, geralmente é: "E aí, o que você faz?".  


Como já explicitado no post Com que sistema eu vou?,  cada sistema favorece um modelo diferente de criação de personagens, alguns mais realistas, outros menos; alguns mais voltados para escolhas estratégicas quanto à economia de pontos, outros mais voltados para escolhas que vão se refletir na interpretação dos personagens. Apesar disso, contudo, todos os sistemas abrem espaço para o desenvolvimento e o aprofundamento destas personagens.



Quando eu era mais novo, geralmente exigia de meus jogadores que escrevessem histórias para seus personagens - emulando um professor de redação, por vezes determinava, inclusive, um número mínimo de linhas ou páginas. Achava que, com isto, os personagens seriam melhor interpretados ou mais bem estabelecidos. Se, por um lado, isto é verdade - e é um exercício bastante interessante para o aprendizado de técnicas de narrativa escrita - por outro, os jogadores detestavam. Para contrabalancear, determinava que boas histórias resultariam em bonificações nas fichas ou, para que os personagens pudessem ter certas características exóticas, que deveriam me explicar de maneira satisfatória a razão das mesmas.



Com o tempo, fui aprendendo a me flexibilizar mais. Nada substitui, naturalmente, um bom texto, mas fui reparando que, para determinadas aventuras, uma boa conversa era o bastante. Antes, gostaria que os personagens de meus jogadores fossem totalmente desenvolvidos a priori da aventura, para que pudéssemos desenvolvê-lo a partir de seu início. Hoje, contudo, descobri que é interessante deixar um espaço para o improviso e a criatividade ao longo dos processos criativos. No final das contas, basta que mestre e jogadores entendam suas expectativas em relação ao jogo - e é por isso que disse, naquele post supracitado, que a escolha não deveria depender sempre apenas da vontade do mestre, mas de uma negociação com o grupo.



Embora antes eu acreditasse que as fichas devessem apenas refletir a história da personagem, hoje vejo que personagens podem ser bem desenvolvidas durante a criação da ficha, basta que o jogador esteja mais envolvido com sua história do que com a pontuação. No último RPG em que joguei, mestrado pelo Paulo, criei um forasteiro com um passado misterioso, cujo passado só se revelou para mim conforme eu preenchia as bolinhas da ficha. Conforme o jogo se passava, ia revelando um pouco mais da personalidade e da história da personagem, em um processo muito divertido. No final das contas, ele era um pirata que havia roubado seu antigo capitão, tinha severo problema em lidar com autoridades - e sua trajetória no jogo foi condenada por isso. À despeito do destino dele, posso dizer que foi uma das aventuras mais divertidas em que já participei.



Acredito que, mais do que qualquer coisa, as personagens devam servir para que possamos viver experiências que nós não poderíamos em nossas vidas. Alguns vêem isso como uma forma de projeção do superego, criando um personagem que é como o jogador gostaria de ser, outros, de manifestação do id, elaborando personagens que agem de acordo com seus desejos mais íntimos. Quando eu mestro, geralmente levo em consideração que cada personagem é parte de uma história com começo, meio e fim, acreditando que suas ações possuem consequências e que são estas consequências - e seus riscos, que fazem com que o jogo seja interessante. Enfim, no RPG, o personagem é o meio pelo qual o jogador faz escolhas em um universo imaginário. E as escolhas interativas, suas implicações e desdobramentos, são o que fazem, para mim, do RPG o jogo incrível que é.

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