O grupo “Interpretar e Aprender” surgiu como ideia nos corredores da Universidade de São Paulo por três estudantes de História interessados em integrar diversão e aprendizagem. Apaixonados tanto por narrativas fantásticas quanto pelo ato de ensinar, estes amigos decidiram criar um grupo cujo intuito seria trabalhar, de forma prazerosa, os conteúdos escolares - e não haveria melhor maneira de fazê-lo do que utilizando o RPG, ou Role Playing Game.

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2016

O Diário de Amanhã (review)



O Diário de Amanhã, criado em parceria pelo Senac e a Palas Athena, e chancelado pela UNESCO, é uma importante ferramenta que traz a discussão sobre direitos humanos para a sala de aula. A ideia é evitar que a manchete do jornal de amanhã, que conta uma história de violação dos direitos humanos, não ocorra. Para isso, as 12 manchetes possuem cinco opções, cada uma enveredando por um caminho da sociedade. Ás vezes um problema pode ser resolvido juridicamente, com leis mais rígidas; pedagogicamente, com programa educacionais que pretendem evitar que as violações ocorram; ou pela mídia, expondo os vários lados da questão para formar a opinião pública. As respostas aos problemas são muito bem elaboradas, assim como as manchetes em si, todas absolutamente plausíveis em nosso país, que de acordo com a Anistia Internacional, está em "permanente violação de direitos humanos". Cada uma das missões estão relacionadas a um ou mais artigos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, um documento bastante difícil de ser utilizado nas escolas, pois a linguagem não é das mais acessíveis.

Os desenvolvedores ainda consideraram a precariedade da infraestrutura de ensino brasileira, principalmente nas escolas públicas longe dos maiores centros urbanos, e disponibilizaram gratuitamente a versão que pode ser jogada sem conexão com a internet, apenas mediante ao cadastro do professor ou gestor da escola.

O professor deve dividir seus alunos em cinco equipes, que podem escolher um nome e um avatar. O jogo possui várias opções de avatar, com diversas etnias e cor de pele distintas - o que é importante para a inclusão socialDevem, então, preparar placas com as letras A, B, C, D e E e o professor insere as respostas escolhidas no computador clicando de uma maneira bem simples.

A experiência, entretanto, tem alguns altos e muitos baixos. Logo de início, um vídeo bastante interessante sobre a construção histórica do conceito de direitos humano introduz um dos mais enfadonhos quizz que já experimentei. A atividade ignora completamente o conceito de jogo e de gamificação ao priorizar a memorização de fatos e datas expostos no vídeo. São vinte perguntas sobre direitos humanos, com 20 segundos para resposta e narração de cada pergunta e cada item da resposta totalizando mais de hora nessa seção.


Luciano Meira sobre a Gamificação:


A parte interessante do jogo, só então, aparece. Um extraterrestre chamado Moros guia os grupos pelas manchetes de jornais que devem ser evitadas. A surpresa com o novo personagem logo desaparece quando, a cada manchete, Moros narra o artigo da Declaração Universal dos Direitos Humanos ela está ligada, usando basicamente a mesma frase doze vezes seguidas. A trilha sonora tem o mesmo tom, não muda, não emociona. Também não há como "salvar" o avanço no jogo, fazendo com que o jogo todo deva ocorrer de uma só vez, durando mais de duas horas, o que torna-se um conflito quando professores dispõe de uma aula de cinquenta minutos, geralmente.

Por mais bem produzidas que as manchetes de amanhã e as maneiras de lidar com elas sejam, o jogo também ignora o feedback constante que a gamificação prevê. A cada resposta o grupo ganha um item (caneta, computador, toga, tubos de ensaio, etc) que não tem utilidade alguma até o final das doze manchetes. Tais itens irão determinar o perfil do grupo, porém em nenhum momento o jogo deixa isso claro até o final. Se o grupo ganhou mais itens jurídicos, o perfil é de juiz, que prefere punir os transgressores para formar uma sociedade mais justa; ou ainda se o grupo recebeu mais itens educacionais, tem o perfil de educador, que utiliza políticas educacionais para prevenir a violação de direitos; e assim por diante. Também não há um objetivo claro dentro do jogo, a não ser delimitar o perfil do grupo e, dependendo das possibilidades do professor, dos alunos e da escola, tomar medidas para ações na comunidade fora do jogo.

A escola, os criadores e os desenvolvedores devem entender que não é possível partir dos pressupostos que estamos acostumados para utilizar jogos na educação. O jogo não deve cobrar ou transmitir conteúdo como pensamos uma sequência didática ou uma atividade na escola. Deve possibilitar uma experiência de resignificação e aproximação dos conteúdos escolares de maneira lúdica. A ferramenta "O Diário do Amanhã" é muito potente, pode e deve ser utilizada por professores, e são necessárias mais e mais ferramentas nesse sentido, mas não pode ser chamada de jogo.

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