O grupo “Interpretar e Aprender” surgiu como ideia nos corredores da Universidade de São Paulo por três estudantes de História interessados em integrar diversão e aprendizagem. Apaixonados tanto por narrativas fantásticas quanto pelo ato de ensinar, estes amigos decidiram criar um grupo cujo intuito seria trabalhar, de forma prazerosa, os conteúdos escolares - e não haveria melhor maneira de fazê-lo do que utilizando o RPG, ou Role Playing Game.

quarta-feira, 30 de janeiro de 2013

Um pensamento sobre o que não existe


 
Alguém por ai quer quebrar nosso espírito.  Há todo um sistema formado para tornar nossas cidades cinza, nossas caminhadas em passeios de carro, nossos pensamentos em discussões sobre o que aconteceu na novela, seriado ou reality show de ontem à noite. Mas nada disso é mais potente para esse sistema do que o uso inconsciente do “eles”. Eles os donos do sistema, eles que aceitam o mundo enquanto um dado e não conseguem concebê-lo enquanto uma construção, eles o inimigo, eles o outro. Falar do sistema [ou deles] sem pensar em quem permite que tudo isso aconteça é o mesmo que deixar acontecer, pois não existem culpados e mal existem causas [visíveis].

Indo para meu trabalho hoje, decidi seguir por um caminho diferente. No meio da confusão do tráfego e as casas passando rápido notei que uma sinuca antiga que frenqüentei até pouco tempo foi demolida. Tudo, menos a fachada, foi posto abaixo e justamente na parte que ainda estava em pé liam-se cartazes com dizeres como “Ela cantava baixinho em seu ouvido enquanto estavam na fila do cinema e, felizes, dançavam devagarinho” ou “No colo da mãe a vida passa rápido pela janela do quarto”. Um exercício de poesia, sem dúvida, habitando a cidade. Ideias ou quase clichês que animavam muito os passantes que se davam ao trabalho de nota-las. Eu me animei!
E foi essa reação em mim que desencadeou o pensamento de que “Alguém por ai quer quebrar nosso espírito”. A cidade passava pela janela de meu carro sem eu nota-la até a ideia disparatada de um meio-artista-meio-maluco me acertar como um murro na cara e me levar a pensar sobre o quão tristes são os dias em São Paulo quando o dia nasce nublado e meio chuvoso. Faz muita diferença a iluminação solar.
Essa história poderia ter acontecido em qualquer lugar. Em meu caminho para o trabalho depois de uma noite mal dormida, em um livro ou em uma mesa de RPG em que os jogadores não são vampiros e criaturas fantasiosas mas apenas peões de um sistema [de jogo] em que as pessoas são manipuladas diariamente para fazerem o que precisam fazer e não o que realmente querem. Esperai, eu estou falando de RPG ou do mundo em que vivemos?
O que você acha?  Você realmente acredita que o mundo é apenas o que está posto diante de seus olhos? Se sim, então você acredita que existem soldados capazes de matar exércitos, cientistas dispostos a destruir o mundo ou ladrões de carro capazes de roubar qualquer coisa e ainda ser um ser humano sensível como nos mostra o cinema? Você acha que podemos viajar pelo espaço e no tempo sem efeitos reais para o universo? A verdade é que a vida como a conhecemos é uma possibilidade significativa de mudança para cada ser vivente, para este mundo [que a sua maneira também está vivo] e para o universo.
A vida humana é uma exceção entre os outros tipos de vida que conhecemos e conseguimos nos relacionar com. Isso porque o homem, até onde sabemos, é o único ser dotado da capacidade de imaginar. É através da imaginação que as ideias conseguem transformar o mundo como o vemos no que ele poderia ser. É por causa dela que conseguimos todos os confortos que a vida moderna consegue nos conceder. Coisa como sofás, geladeiras, telefones e banheiro dentro de casa eram inconcebíveis como existência há meio milênio. Ainda assim aqui estão todos eles mostrando-nos que sua existência não é apenas crível como também útil. O problema que surge então é que agora mal conseguimos conceber como seria o mundo sem eles. Mas alguns de nós [humanos] queremos e insistimos em nos colocar em situações absurdas onde eles não podem existir. Por que será?
Não acho que é uma nostalgia romanceada, acho que é mais do que isso. Todo o passado está no presente, basta seguirmos cem, duzentos ou mil quilômetros para o interior do continente e nossos celulares deixam de funcionar, se continuarmos, muito provavelmente existirão casas sem banheiros dentro de casa. Se não formos mesquinhos e olharmos para o lado podemos encontrar isso mais perto do que imaginamos (sim, existem favelas. E existem condições de vida em algumas delas em que um banheiro dentro de casa é um inconcebível conforto. Um celular então...). Mas o que o RPG tem a ver com problemas sociais de ordem municipal, estadual ou federal? TUDO!
O RPG não é somente uma ferramenta lúdica, é também pedagógica e, portanto, política. Nele os personagens são colocados dentro de uma história e, exatamente pela relativa incapacidade de punição existente nesse universo imaginário, são obrigados a tomarem decisões extremadas de condições cotidianas que encontramos em nossas vidas. [Fora que: ele (o jogo de RPG) não permite que o espírito (figurado, não literal) dos envolvidos na seção seja esmagado por uma realidade alienante que insiste em nos engolir.] Ora, encontrar-se com uma situação similar as que vivemos diariamente porém de maneira extremada é também entender que em última instância suas decisões mais corriqueiras são atitudes políticas importantes de cada um diante de sua própria cidade, estado ou nação. Ou será que não?

Nenhum comentário:

Postar um comentário